São Paulo, Domingo, 26 de Fevereiro de 2012

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FINO

fogo baixo

por Ana Paula Boni

O cozinheiro Inãki Aizpitarte troca as plantas pelas panelas e se torna, aos 39 anos, o 9o melhor chef do mundo

Mal passam das 21h de uma sexta-feira do último outono quando Iñaki Aizpitarte deixa a cozinha apertada para fumar um cigarro do lado de fora do seu restaurante em Paris, Le Chateaubriand. De calça e camisa brancas, sapato preto sem meia e um avental azul surrado pendurado no pescoço, não cumprimenta ninguém.

No salão barulhento de decoração espartana -onde uma lousa negra revela em giz os nomes dos fornecedores de vinhos, todos orgânicos-, os cinco jovens garçons (para cerca de 50 clientes), vestidos com a mesma moda do tudo-branco, têm a barba por fazer e os cabelos desajeitados. Não há toalhas nas mesas, nem pompa, nem estrela no guia "Michelin". Mais despretensioso impossível.

Mesmo assim, o bistrô aberto em 2006, no 11º distrito, área nada badalada da cidade, vive com fila de espera de parisienses e turistas que não conseguiram uma reserva por telefone.

O chef francês de origem basca, que começou no ramo de forma autodidata há 12 anos, é considerado o nono melhor do mundo, segundo a revista britânica "Restaurant". A premiação foca a culinária contemporânea e teve o catalão Ferran Adrià como o primeiro do mundo por quatro anos seguidos, de 2006 até 2009. O paulistano Alex Atala ocupa hoje o sétimo lugar.

Iñaki, 39, não parece muito entusiasmado com o título. "Não entendo essas escolhas. Talvez porque acho que não há restaurantes importantes para todo o mundo, mas para algumas pessoas, para as pessoas que votam", diz ele, referindo-se aos 800 jurados da premiação, que reúne chefs, críticos e jornalistas de todos os continentes.

Caçula entre quatro irmãos, não fez faculdade ("eu era o 'bad boy' da família") e é o francês melhor colocado da lista desde 2010 -deixou para trás nomes como Pascal Barbot (L'Astrance), Alain Passard (L'Arpège) e Pierre Gagnaire (restaurante homônimo), os dois últimos com três estrelas no "Michelin", a cotação máxima.

Acredita que a falta de estudo tenha, de certa forma, ajudado sua carreira. "Quando você tem formação clássica, é difícil abrir a mente para achar um novo caminho", diz. " Se você nunca foi à escola, não precisa fazer desse ou daquele jeito. Você não tem limites."

In natura

Essa personalidade de poucas regras é traduzida no menu-degustação de sete etapas, única opção da casa, todas as noites com sugestões diferentes que seguem o humor do chef e da horta. O resultado é um mix minimalista, criativo e intrigante até a hora da sobremesa, quando uma das opções pode ser champignon cru com creme de chocolate. Mesmo após ter deixado a jardinagem, ocupação que escolheu ainda adolescente, Iñaki segue lidando com flores e folhas, muitas, desta vez no prato. Assim, suas receitas podem reunir flor de cenoura, erva-doce, levístico e capim-limão, tudo sem muita intervenção.

A fixação pelo ingrediente "in natura" o deixou encantado numa visita ao Brasil, em 2003, quando esteve em SP e no Rio e se deparou com frutas que não conhecia, como o açaí, que já foi parar no seu cardápio, e muitos sucos naturais, "além do palmito fresco na salada".

"Sempre cozinhei para que as pessoas sintam o produto. Não destruo a sua forma", diz Iñaki. "Mas não é fácil deixá-lo quase cru, tem muito trabalho envolvido. Esse é um jeito muito Noma de trabalhar." Refere-se ao restaurante do dinamarquês René Redzepi, número 1 do mundo e uma de suas inspirações.

Ao lado de Redzepi e de outros chefs da lista dos 50 melhores, Iñaki participa do "Cook It Raw" -movimento da alta gastronomia que nasceu em 2009, em Copenhague, e propõe aos cozinheiros o mínimo uso possível de energia na confecção de um prato.

No Chateaubriand, o menu custa entre 55 euros (R$ 130) e 65 euros (R$ 153) -no D.O.M., em São Paulo, a degustação com oito etapas sai por R$ 400. "Quero manter meu restaurante acessível para que meus amigos possam vir aqui, não apenas os ricos e esnobes."

Apesar da admiração por chefs de vanguarda, como o espanhol Andoni Aduriz (do restaurante Mugaritz), ele diz seguir a bistronomia, movimento que une a comida de qualidade da alta gastronomia com o serviço informal dos bistrôs. Seu restaurante preferido é o Le Baratin, em Paris, a casa simples da argentina Raquel Carena. "Depois de 15 anos, acho que há uma nova geração de chefs, talvez um pouco mais personalista."

De Israel para Paris

A intimidade com as panelas nasceu quando Iñaki estava em Israel, aos 27 anos, em busca de um emprego como jardineiro. "Tinha terminado um namoro e resolvi viajar. Naquela época, havia muito trabalho em Tel Aviv."

Iñaki não encontrou vaga para a jardinagem, mas para lavar pratos num restaurante, onde acabou mostrando sua habilidade com as facas, já que cozinhava em casa. Duas semanas depois, diante da opção de voltar para as plantas, preferiu ficar com a comida.

Seguiu no mesmo restaurante por seis meses, quando voltou à França, decidido a morar em Paris pela primeira vez -natural de Besançon, no leste do país, passou a maior parte da vida em Hendaye, na costa basca, terra de seus pais.

Sem dinheiro para um curso de culinária, mergulhou nos livros. "Fiquei obcecado. Só lia sobre comida. Finalmente, tinha encontrado minha paixão no trabalho."

Começou a trabalhar num restaurante simples, o Café des Délices, "quando percebi que a comida podia ser algo pessoal". Depois foi para o La Famille, em que chamou a atenção da mídia pela primeira vez e, por fim, para o Transversal, no MAC/VAL, o Museu de Arte Contemporânea de Val-de-Marne, onde as exposições eram traduzidas em menu. Neste último, surgiu a ideia de abrir seu próprio endereço.

Em 2006, foi inaugurado o Chateaubriand, na mesma vizinhança onde Iñaki mora desde que chegou de Tel Aviv, hoje com a mulher e o filho de seis anos. Naquele ano, ganhou o prêmio Le Fooding (da revista homônima) de melhor restaurante da cidade.

No rastro do sucesso, inaugurou no ano passado o bar Le Dauphin. Localizado a dez passos da casa-mãe, o "herdeiro" (significado em francês) foi desenhado pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas com mármore e espelhos.

Da cozinha saem pratos pequenos para petiscar, a versão de Iñaki para as tapas espanholas. Uma opção para quem quer provar sua comida sem enfrentar o drama da fila de todas as noites no restaurante original.


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