São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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DESENHO

O sampleado no design

por ADÉLIA BORGES

Há 50 anos, depois de despencar deu ma goiabeira, começava a história de Rico Lins, o "designer onívoro"

Em aniversários, nada melhor do que datas redondas para comemorar. Pois foi há 50 anos que o carioca Rico Lins começou a desenhar. A circunstância, é verdade, foi um tanto esdrúxula: aos quatro anos, Rico caiu de uma goiabeira no quintal da casa do avô, em Vitória (ES), quebrou o braço esquerdo e, condenado à reclusão por algumas semanas, fugiu do tédio rabiscando imagens. Não parou mais e se tornou um dos mais destacados designers gráficos brasileiros.

Desenhar bem não é um requisito indispensável ao design, atividade multidisciplinar que significa "concepção de um projeto", na definição do dicionário Aurélio. No entanto, em Rico o design é permeado pela excelência em ilustração, enriquecido pela proximidade com as artes visuais e filtrado por um pensamento conectado com as linguagens da cultura em geral.

Já na adolescência, Rico começou a tirar "proveito" de seus desenhos. Aos 17 anos, publicou uma ilustração na primeira edição brasileira da "Rolling Stone" e passou a colaborar com outras publicações, como a revista "Planeta". Aos 21, ingressou na Escola Superior de Desenho Industrial, a mítica Esdi, primeira faculdade de design do país. Naquele momento, havia uma forte dominância da ideia de que o design deveria ser neutro, asséptico e asceta. A dimensão criativa da atividade era subestimada em favor do receituário metodológico, que deveria ser seguido à risca. No calor dos trópicos, importavam-se, sem questionamentos, as premissas do axioma "a forma segue a função" das escolas alemã e suíça de design.

Cultura de rua

Rico se insurge contra essa visão, incorporando a casualidade e a riqueza da cultura das ruas do Rio de Janeiro e da cultura popular em geral. No período da faculdade, passou dois meses excursionando pelo sertão nordestino em pesquisa sobre a literatura de cordel. O resultado foi, desde o início, um trabalho em que a forma segue também a emoção, rimando com liberdade, pluralismo e invenção.

Recém-formado, aos 24 anos, mudou-se para Paris, onde fez cursos de pós-graduação na Universidade de Paris, além de colaborar com diversas publicações, como os jornais "Le Monde" e "Libération".

De Paris seguiu para o mestrado em design gráfico, ilustração e cinema de animação no Royal College of Art, em Londres. Aos 34 anos, nova mudança, dessa vez para Nova York, a convite da gravadora CBS Records, da qual se tornou diretor de arte, vindo a lecionar na School of Visual Arts.

As temporadas nessas três cidades foram decisivas na ampliação de seus horizontes, no aprimoramento de seu conhecimento humanista e na diversificação de seu repertório. Nelas, contudo, o designer não caiu na armadilha daqueles que aderem a um estilo de vida e a uma linguagem internacionalista buscando um passaporte para o reconhecimento de fora.

De volta ao Brasil, aos 40 anos, dessa vez para São Paulo, permaneceu aberto às influências externas de um mundo em movimento e com fronteiras cada vez mais diluídas, a partir de um olhar pessoal e local -algo como a correspondência, no design, da parabólica fincada na lama com que o pernambucano Chico Science inventou uma nova sonoridade.

De seu estúdio no bairro de Perdizes, Rico atende a demandas diversificadas nas várias especialidades do design gráfico, incluindo livros, cartazes, embalagens, sites, ilustrações e um vasto etc., especialmente na área cultural. Em sua produção, como se fosse um liquidificador visual, ele reprocessa um denso repertório de conteúdos e imagens num contínuo sampleado (apropriação) crítico e criativo.

Lembrando a sua "voracidade por assuntos, territórios do conhecimento, tempos e espaços diversos", o crítico Agnaldo Farias o chama de "designer onívoro", aquele que tudo absorve e devora.

Um resumo de sua trajetória poderá ser vista na exposição "Rico Lins: uma Gráfica de Fronteiras", que aporta no Instituto Tomie Ohtake de 15 de maio a 28 de junho, com curadoria de Agnaldo Farias.

Aos 54 anos, Rico Lins acumula vários prêmios, foi publicado em dezenas de livros e revistas internacionais e pertence ao seleto grupo da AGI (Alliance Graphique Internationale), que até hoje só aceitou outros dois brasileiros (Kiko Farkas, de São Paulo, e Miran, de Curitiba).

Um percurso nada desprezível para quem começou graças a uma prosaica queda da goiabeira.


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