São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINO

De tirar a cartola

por ELIANE TRINDADE, de Milão

O que faz do ex-jogador Leonardo um caso raro no futebol: dirigente de clube europeu, poliglota, gourmet e engajado

Um bom teste de popularidade em Milão é ter uma foto ou um autógrafo nas paredes do La Briciola, o restaurante frequentado por estrelas do futebol, da moda e do showbiz. Lá estão imagens de Ronaldo Fenômeno, ao lado do proprietário, Gianni Valveri. Também figuram discretas a assinatura e uma frase em letras miúdas do ex-jogador Leonardo Araújo, 39, hoje dirigente do Milan.

O carioca de Niterói, que atuou pelo São Paulo e pelo Flamengo nos anos 1990 e se aventurou pelos campos da França, da Itália e do Japão, virou cidadão milanês, com direito a passaporte e hábitos refinados.

Numa briga de gigantes pela melhor mesa no restaurante, estão divertidas estocadas de gente como o todo-poderoso do Milan, Adriano Galliani.

O vice-presidente do time, que pertence ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, trava uma disputa em frases -exposta numa parede, ao fundo- com feras como o craque Christian Vieri: "crescete e, poi (forse), il tavolo diventerá vostro" (cresçam e, depois, talvez, a mesa será de vocês). "E minha também", assina logo embaixo Leonardo.

É em torno daquelas cinco cadeiras que o brasileiro tetracampeão mundial, há 12 anos na Itália, saboreia uma "pasta" al dente com um bom vinho tinto siciliano -seu preferido é o Donna Fugata.

Leonardo indicou o restaurante para a nova aquisição do Milan, o inglês David Beckham, que jantou ali com a mulher, Victoria. Fez o mesmo com o brasileiro Pato e sua namorada, a atriz Sthefany Brito. "Além de me mandar ótimos clientes, Leonardo reúne qualidades que vão além do futebol", afirma Gianni.

O brasileiro mora num apartamento nas imediações do La Briciola, no descolado bairro de Brera. Divorciado após 15 anos de casamento com Beatriz, 38, mãe de seus três filhos (Lucas, 15, Júlia, 13, e Joana, 9), o ex-jogador deixou o antigo condomínio nas proximidades do estádio San Siro, verdadeira república verde-amarela.

VICE DO VICE

O novo endereço de Leonardo diz muito de um profissional que sempre se diferenciou. Pela origem de classe média, pelo domínio de línguas, como o inglês, o italiano, o espanhol e o francês, o ex-meia da seleção brasileira foi construindo uma carreira única: virou comentarista da BBC e manda-chuva no Milan. "Sou o vice do vice", brinca.

Dribla com classe as especulações de que pode substituir o técnico Carlo Ancelotti. "É meu amigão", despista Leonardo, matriculado no curso da federação italiana que lhe permitirá atuar como técnico.

Em outubro de 2002, quando já havia pendurado as chuteiras, participou de um amistoso do Milan na Croácia. Ali, presenciou uma conversa pelo celular entre Galliani e Berlusconi que mudaria sua vida. "Traga o Leo de volta", ordenou o político/cartola.

Não saiu mais. Além de treinar, fazia imersão nas áreas de marketing, comercial e esportiva do clube. "Até que começou a ficar estranha aquela situação de jogador/dirigente", reconhece. Foi efetivado como assessor da presidência em abril de 2003.

O contato com o controverso patrão é esporádico. "É uma relação de respeito. Existe uma sintonia, apesar das diferenças", afirma Leonardo, que dividiu a mesa com Berlusconi e Lula durante a visita do presidente brasileiro à Itália em novembro de 2008.

A posição à mesa deixa claro que Leonardo é um dos "patrões" de Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Dida, Pato, Emerson e Tiago Silva, a "seleção brasileira" do time milanês. É também secretário-geral da Fundação Milan e viaja pelo mundo acompanhando os 40 projetos financiados pelo clube.

Com um emprego como esse, surpreende ao dizer que seu objetivo é um cargo de dirigente no Flamengo ou na própria CBF. "Não dá para entender o fato de o país ter uma seleção tão rica e ao mesmo tempo clubes falidos e campeonatos que são um bom produto mas que ninguém vê no exterior." Já recebeu proposta do time rubro-negro da Gávea. "Se for pensar em dinheiro, fico na Itália, mas me sinto capaz de realizar muita coisa no meu país."

Leonardo viaja para o Rio uma vez por mês para ver os filhos, que agora moram com a mãe. O mais velho, Lucas, dá sinais de querer seguir os passos paternos.

A temporada carioca é dividida também com a Gol de Letra, ONG que fundou em parceria com Raí, seu ex-colega do São Paulo. A amizade com Raí é mais sólida que um casamento. "Somos parceiros e sócios nos negócios e nos prazeres; de tomar muito vinho juntos, além de termos mil filhos", diz Leonardo, referindo-se aos jovens atendidos pela Gol de Letra.

Raí classifica Leonardo como alguém da família. "Às vezes, faço o papel de irmão mais velho", diz o ex-jogador, 43. Os temperamentos são complementares: "Eu sou calmo, o Leo, irriquieto".

BABY FACE

Prestes a completar 40 anos em setembro, Leonardo mantém o peso da época de atleta: 71 kg em 1,78 m. Nem sinal de cabelos brancos. "Tô doido pra ter." A barba por fazer é uma tentativa de passar um ar mais sério para quem é um autêntico "baby face".

A fina estampa é motivo de piada no centro de treinamento do Milan. "Quer uma cara bonita emprestada", provoca o atacante e galã Marco Borriello ao ver o chefe ser fotografado para a Serafina.

Leonardo faz a linha "tô nem aí", mas é vaidoso. Não chega a ser metrossexual como Beckham, mas usa ternos escuros bem cortados - Armani e Dolce & Gabanna- e camisa sem gravata. "Carrego uma no bolso, se precisar."

Circula por Milão em um carrão cedido pela Audi (uma das patrocinadoras do time). Não usa relógios de grife nem outros ícones do consumo de luxo. "Já lidei muito mal com dinheiro", diz ele, que vendeu os bens supérfluos quando, aos 30, uma culpa daquelas o fez mergulhar numa crise pessoal. "Surtei ao ver amigos numa situação horrível num Brasil complicado e pessimista. Vendi tudo", conta. "Mas é aquela coisa de negar podendo ter. Hoje, encontrei o equilíbrio."

A crise (pessoal) passou e o Brasil está melhor do que há uma década, acredita o ex-atleta que não exibe sinais de nostalgia. "Minha vida hoje é muito melhor", compara, livre de concentrações e treinos. "Sinto saudade de jogar, da adrenalina, mas não do que se tem de fazer para estar em campo."

Fala com tranquilidade sobre um dos episódios mais controversos da carreira: a cotovelada em Tab Ramos, que fez o jogador sair desfalecido numa partida entre a seleção brasileira e a americana, na Copa de 1994. "Não foi intencional."

Uma armação do destino fez Leonardo participar da partida de despedida de Ramos. Aceitou o convite do Milan para disputar um amistoso contra o MetroStars, em Nova York. Só lá descobriu que o jogo marcava o fim da carreira da vítima de seu golpe notório.

Leonardo também levou cotoveladas gramados afora. "Quebrei três vezes o nariz." Nada que comprometa o perfil clicado pelo estilista Karl Lagerfeld para uma campanha de relógios. Um daqueles que deixou de usar faz tempo.



Texto Anterior: DESENHO: Capa para Serafina no traço do designer Rico Pns, por Adépa Borges
Próximo Texto: MODA: De Paris e Orphin, a Perfumaria Guerlain, por Alcino Leite Neto
Índice


Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.