São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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PASSAGEM

Ilha de Maré

por ZECA BALEIRO

Sem muita honraria, o Maranhão frequentou o noticiário nos últimos dias; Em outro tom, um ilustre cidadão maranhense lembra o lado boêmio, belo e poético da capital

Desde que saí de São Luís, há já remotos 20 e poucos anos, a cidade mudou bastante. Cresceu, verticalizou-se e muita gente migrou dos bairros e do centro para a região das praias. Isso não fez com que o belo centro histórico da cidade, outrora efervescente de boemia, música e personagens surreais, perdesse toda a sua mágica com tal debandada.

Encantos não faltam. E, encantados pela mística de cidade de poe-tas, de "Atenas Brasileira", como a cidade ficou conhecida no fim do século 18 por conta de sua vasta e alta produção literária, é que costumávamos sair, eu e alguns amigos adolescentes, músicos, poetas e beberrões, andando (andando mesmo, a pé) pelas ruas estreitas do centro, desvelando os mistérios da noite e à espera de alumbramentos poéticos que nos aproximassem de um Baudelaire, um Rimbaud, um Kerouac. Nunca vinham, mas foi por conta desse ímpeto boêmio que experimentamos porres homéricos e muitas histórias pitorescas.

Hoje ainda há redutos em que remanesce a aura mítica da noite ludovicense, como a Praia Grande, um conjunto arquitetônico colonial revitalizado, que agrega bares e restaurantes para todos os gostos, vendedores ambulantes nas ruas de pedra, lojas de artesanato e teatros. Do lado, está a feira da Praia Grande, onde se encontram figuraças como seu Riba, vendedor de cachaças e outros teréns, e dona Amélia, em cujo quiosque se come o melhor mocotó da cidade, comida para espíritos fortes, sempre acompanhado de uma boa e suada cerveja. Nas quebradas da feira, o turista desavisado achará produtos os mais diversos, desde patos e galinhas vivinhos da silva até cachaças típicas como a afrodisíaca catuaba e a matadora tiquira.

CAVALOS SEM CABEÇA

A ilha de São Luís, também conhecida por ilha do Amor ou ilha Maravilha, tem um vasto histórico de lendas e superstições, como toda ilha. Uma das mais perenes e sedutoras é a história de Ana Jansen, comerciante rica e com forte influência política no século 19, que seria implacável com seus escravos, aplicando-lhes castigos os mais cruéis. Reza a lenda que a carruagem de Donana Jansen, puxada por dois cavalos brancos sem cabeça, ainda hoje desfila nas madrugadas escuras pelas ruas da cidade, algumas das quais mantêm seus velhos paralelepípedos intactos.

Um dos mais bonitos teatros do país, o Arthur Azevedo, fica na rua do Sol, paralela à rua dos Afogados, que cruza a rua do Ribeirão. Nessa esquina, está a fonte do Ribeirão, construída em 1796 para abastecer a cidade. Revestida de pedras de cantaria, a água da fonte jorra de carrancas assustadoras, de espantar qualquer ziquizira. Diz outra lenda que os subterrâneos da fonte seriam um esconderijo, para os frades, das invasões inimigas. Ou que seria rota de fuga de escravos. Fontes, igrejas e praças, além das lendas, existem às pencas na cidade. Outra majestosa praça é a Dom Pedro 2º, onde está localizado o Palácio dos Leões, sede do governo, um antigo forte erguido pelos franceses em 1612. Na mesma praça, vê-se a igreja de Nossa Senhora da Vitória, que guarda um grande tesouro do barroco brasileiro: seu altar-mor, todo talhado em ouro.

PIRA, DOIDO!

Ir a São Luís e não ver as praias é como ir a Roma e não ver as romanas. Há praias para gente de todas as praias. A de que mais gosto é a Araçagi, distante uns 20 minutos do centro e um pouco mais deserta. Mas há outras boas praias mais perto da cidade, como Calhau, São Marcos e Olho d'água. E a mais urbana e popular de todas, a praia da Ponta d'Areia. Em todas elas há bares ou barracas onde se pode degustar um bom peixe frito, de preferência o apetitoso e peculiar peixe-pedra, um camarão ou um caranguejo, esse pra comer de baciada, todos (bem) acompanhados de farinha d'água, uma farinha amarela e mais caroçuda -e saborosa- do que a branca.

Uma boa época pra visitar São Luís é junho, quando os grupos de bumba-meu-boi saem aos arraiais da cidade mostrando sua dança vigorosa, lindas roupas coloridas e música de fazer bater o coração mais rápido, com suas matracas, zabumbas e pandeirões. Para voltar devidamente batizado da ilha, com a bênção de Jah (Deus, na cultura rastafári), é imperativo passar por uma boa casa de reggae -Chama Maré, Ladeira, Creole ou Bar do Nelson, entre tantas. E entrar na "vibe" regueira com o bordão popularizado pelo DJ Andrezinho Vibration: "pira, doido!".



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