São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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FINO

Heitor Dhalia, autor de "À Deriva", no rumo certo

por ALICE GRANATO

ESTRELANDO: HEITOR DHALIA

Sinopse: Terceiro longa-metragem de sua carreira, o filme "À Deriva" lança o diretor de volta às origens e ao mar de Pernambuco, onde viveu por 23 anos antes de se tornar um paulistano de sotaque nordestino. Aos 39, ele é o cineasta do momento. Depois do sucesso de "O Cheiro do Ralo", foi aplaudido em Cannes por seu novo filme, deixou a produtora de Fernando Meirelles e parte para um voo solo com escala internacional: seu próximo longa será rodado na Argentina

Première: "À Deriva" estreia nesta sexta-feira, dia 31, em todo o país.

Elenco: o ator francês Vincent Cassel, Débora Bloch, Camilla Belle e a atriz estreante Laura Neiva.

Cena 1, take 1: 1970. Com apenas oito meses, Heitor, nascido no Rio de Janeiro, embarca com os pais, José e Carmem, para Pau Amarelo, praia do litoral norte de Pernambuco, a cerca de 50 km de Recife. O lugar era frequentado por recifenses como praia de veraneio. O casal de pernambucanos, intelectuais de classe média, decide morar ali com o primogênito. Depois de Heitor, têm outros dois filhos, Arthur e Rafael.

Cena 2, take 1: Aos 11 anos, o garoto começa a vivenciar a separação dos pais. Heitor passa muito tempo sozinho, refletindo e observando. Começa a se encantar pelo voyerismo. Nessa época, desenvolve forte ligação com o mar. Vai todo dia à praia. Está à deriva sem se dar conta.

Cena 3, take 1: Já adulto, em Recife, percebe sua paixão pelo cinema. Descobre que é o que sempre quis fazer da vida. Pensa em estudar jornalismo, mas escolhe a publicidade para estar mais perto dos mecanismos do cinema. Chega a São Paulo, em 1994, como nome promissor da propaganda. Passa pelas agências DPZ, DM9 e Talent.

Cena 4, take 1: Em 1999, filma seu primeiro curta, "Conceição". Cinco anos mais tarde, vem o primeiro longa, "Nina", escrito por ele e pelo escritor e roteirista paulista Marçal Aquino. Em 2006, seu nome ganha projeção com o filme "O Cheiro do Ralo", outra parceira com Marçal, com roteiro baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli e orçamento de R$ 315 mil reais. O protagonista é o ator Selton Mello.

(Corta)

Close no Selton: "Heitor Dhalia é um capricorniano como eu. Trabalho, trabalho e trabalho. Um cineasta com muita sensibilidade e fome de ir além. Camarada de primeira linha. ‘O Cheiro do Ralo’ foi um marco em nossas vidas. Mando um salve para ele: capricornianos, ho! (risos)."

Cena 5, take 1: Maio de 2009. O filme "À Deriva", produzido pela 02 com orçamento de US$ 3 milhões, é exibido na mostra "Um Certo Olhar", no Festival de Cannes. O diretor vive uma das maiores emoções de sua vida ao receber os aplausos após a exibição. "Foi uma sensação inesquecível." Sobre o tapete vermelho, diz que "pisar ali é de tudo um pouco: divertido, chique, cafona, felliniano, emocionante!"

(Corta)

Volta para a cena 2, take 2: Em "À Deriva", Heitor volta à sua pré-adolescência em Pau Amarelo, à separação dos pais e faz um filme de ficção com enredo autobiográfico. Na trama, uma adolescente envolvida em conflitos familiares desperta para o próprio amadurecimento.

(Corta)

Close no diretor: "Minha mãe veio me visitar no set no dia em que estava filmando a cena dos pais contando aos filhos que iriam se separar. Sem ler o roteiro, ela percebeu tudo. Sabia que a Filipa, protagonista da trama vivida por Laura Neiva, era eu."

(Corta para depoimentos)

O mentor: "O Heitor é um operário do cinema. Tem uma capacidade de trabalho inigualável e invejável. Não há obstáculos para ele. Com essa energia, certamente deve chegar onde quer", diz o cineasta Fernando Meirelles, produtor de "À Deriva", com quem Dhalia trabalhava há até pouco mais de um mês. O filme foi seu trabalho de despedida da 02, onde foi um dos pupilos de Meirelles. "Chega uma hora em que a gente precisa ser dono do próprio nariz. Eu quero esse desafio de produzir, ter independência, tomar as rédeas do meu próprio destino", diz Dhalia.

O espectador: O escritor e roteirista Marçal Aquino, que assina com Heitor o roteiro de seus dois longas anteriores, desta vez dá opinião como espectador. "Vi ‘À Deriva’ há exatamente um ano, nem era o corte final. Mas deu para sentir que vai consolidar o Heitor como um cineasta dotado de uma curiosidade incurável, o que faz com que se interesse por territórios muito distantes a cada filme. A delicadeza com que ele aborda o universo feminino é coisa de artista muito sensível."

O cicerone: O jornalista Xico Sá, conterrâneo do diretor, com quem tem "forte laço de amizade", diz que sua disciplina é maior do que a de um "alemão virginiano". "A obsessão dele por cinema é louvável. Tem 100% de consciência de cada filme que faz." Foi Xico quem o acompanhou na noite em que chegou a São Paulo. "Ele queria ver a cidade, as mulheres... (risos)".

O produtor: Outro Chico pernambucano que pode opinar com propriedade é o produtor de elenco Chico Accioly, que identifica fortes traços nordestinos no diretor. De acordo com ele, existe uma entidade que "baixa" de vez em quando no set, batizada por ele de "cangaceira ninja". "Ela vem que vem", diz. Segundo Chico, a cangaceira aparece em momentos críticos. "Ela chega com uma violência típica de um cangaceiro nordestino, o sotaque pernambucano fica ainda mais forte e ele resolve tudo com uma habilidade cirúrgica impressionante, aí entra o ninja. Não fosse a cangaceira, e esperássemos os trâmites normais, não daria. As pessoas ficam bem assustadas quando ela baixa, mas vem nos momentos certos e, com a mesma rapidez que chega, vai-se embora." Na opinião do amigo e produtor, a cada trabalho ele entende melhor a alma dos atores. "Apesar de ter exata noção do que quer, ele dá liberdade para criarem."

A estreante: A paulistana Laura Neiva, 15, protagonista de "À Deriva", concorda com a opinião do produtor. "Ele tem um olhar que parece ser mau, mas não é", diz Laura, que foi escolhida para o papel por meio de fotos no Orkut e nunca tinha feito absolutamente nada como atriz. O fato de ela ter, de certa forma, representado o diretor no filme os aproximou muito. "Criamos cumplicidade, foi uma relação especial", diz ela. Durante as filmagens, que duraram dois meses em Búzios, Dhalia e Laura conversavam muito sobre as cenas, ele contava de onde tinha tirado a ideia e, segundo ela, o processo foi importantíssimo para se sair tão bem no filme.

A veterana: Débora Bloch, a atriz que vive a mãe de Laura, corrobora todos os elogios anteriores. "Ele tem um olhar muito preciso. Conhece bem a história que quer contar e está sempre aberto para as sugestões. Incorpora tudo o que você propõe, mas, ao mesmo tempo, sabe o que quer da cena e te pede isso de maneira clara."

Par romântico: O diretor namora a roteirista Vera Egito, 27, que o ajudou a escrever "À Deriva" e trabalhou como estagiária em "O Cheiro do Ralo". "Somos parceiros de trabalho antes de namorarmos", diz ela. Vera teve dois curtas exibidos em Cannes neste ano e acredita que viveram um momento único juntos no Festival. "Foi o nosso ano!"

(Corta para entrevistadora ao vivo)

Close na repórter: Na tarde em que recebe Serafina em sua nova produtora, no Alto de Pinheiros, em São Paulo, o diretor se mostra "cool" e ao mesmo tempo envergonhado. Garante não ser tímido, mas olha para baixo na maior parte da entrevista. "É uma matéria sobre mim, pessoal", justifica. Seu lado paulistano sobressai em relação ao pernambucano, que surge na simpatia e no sotaque. Se o "Cheiro do Ralo" é a tradução de seu encontro com São Paulo, "À Deriva" resgata suas memórias pernambucanas. Quando pergunto se ele não sente saudade do mar, a resposta vem rápida: "O mar está dentro de mim."

Première: "À Deriva" estreia nesta sexta-feira, dia 31, em todo o país.

Elenco: o ator francês Vincent Cassel, Débora Bloch, Camilla Belle e a atriz estreante Laura Neiva.

Cena 1, take 1: 1970. Com apenas oito meses, Heitor, nascido no Rio de Janeiro, embarca com os pais, José e Carmem, para Pau Amarelo, praia do litoral norte de Pernambuco, a cerca de 50 km de Recife. O lugar era frequentado por recifenses como praia de veraneio. O casal de pernambucanos, intelectuais de classe média, decide morar ali com o primogênito. Depois de Heitor, têm outros dois filhos, Arthur e Rafael.

Cena 2, take 1: Aos 11 anos, o garoto começa a vivenciar a separação dos pais. Heitor passa muito tempo sozinho, refletindo e observando. Começa a se encantar pelo voyerismo. Nessa época, desenvolve forte ligação com o mar. Vai todo dia à praia. Está à deriva sem se dar conta.

Cena 3, take 1: Já adulto, em Recife, percebe sua paixão pelo cinema. Descobre que é o que sempre quis fazer da vida. Pensa em estudar jornalismo, mas escolhe a publicidade para estar mais perto dos mecanismos do cinema. Chega a São Paulo, em 1994, como nome promissor da propaganda. Passa pelas agências DPZ, DM9 e Talent.

Cena 4, take 1: Em 1999, filma seu primeiro curta, "Conceição". Cinco anos mais tarde, vem o primeiro longa, "Nina", escrito por ele e pelo escritor e roteirista paulista Marçal Aquino. Em 2006, seu nome ganha projeção com o filme "O Cheiro do Ralo", outra parceira com Marçal, com roteiro baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli e orçamento de R$ 315 mil reais. O protagonista é o ator Selton Mello.

(Corta)

Close no Selton: "Heitor Dhalia é um capricorniano como eu. Trabalho, trabalho e trabalho. Um cineasta com muita sensibilidade e fome de ir além. Camarada de primeira linha. ‘O Cheiro do Ralo’ foi um marco em nossas vidas. Mando um salve para ele: capricornianos, ho! (risos)."

Cena 5, take 1: Maio de 2009. O filme "À Deriva", produzido pela 02 com orçamento de US$ 3 milhões, é exibido na mostra "Um Certo Olhar", no Festival de Cannes. O diretor vive uma das maiores emoções de sua vida ao receber os aplausos após a exibição. "Foi uma sensação inesquecível." Sobre o tapete vermelho, diz que "pisar ali é de tudo um pouco: divertido, chique, cafona, felliniano, emocionante!"

(Corta)

Volta para a cena 2, take 2: Em "À Deriva", Heitor volta à sua pré-adolescência em Pau Amarelo, à separação dos pais e faz um filme de ficção com enredo autobiográfico. Na trama, uma adolescente envolvida em conflitos familiares desperta para o próprio amadurecimento.

(Corta)

Close no diretor: "Minha mãe veio me visitar no set no dia em que estava filmando a cena dos pais contando aos filhos que iriam se separar. Sem ler o roteiro, ela percebeu tudo. Sabia que a Filipa, protagonista da trama vivida por Laura Neiva, era eu."

(Corta para depoimentos)

O mentor: "O Heitor é um operário do cinema. Tem uma capacidade de trabalho inigualável e invejável. Não há obstáculos para ele. Com essa energia, certamente deve chegar onde quer", diz o cineasta Fernando Meirelles, produtor de "À Deriva", com quem Dhalia trabalhava há até pouco mais de um mês. O filme foi seu trabalho de despedida da 02, onde foi um dos pupilos de Meirelles. "Chega uma hora em que a gente precisa ser dono do próprio nariz. Eu quero esse desafio de produzir, ter independência, tomar as rédeas do meu próprio destino", diz Dhalia.

O espectador: O escritor e roteirista Marçal Aquino, que assina com Heitor o roteiro de seus dois longas anteriores, desta vez dá opinião como espectador. "Vi ‘À Deriva’ há exatamente um ano, nem era o corte final. Mas deu para sentir que vai consolidar o Heitor como um cineasta dotado de uma curiosidade incurável, o que faz com que se interesse por territórios muito distantes a cada filme. A delicadeza com que ele aborda o universo feminino é coisa de artista muito sensível."

O cicerone: O jornalista Xico Sá, conterrâneo do diretor, com quem tem "forte laço de amizade", diz que sua disciplina é maior do que a de um "alemão virginiano". "A obsessão dele por cinema é louvável. Tem 100% de consciência de cada filme que faz." Foi Xico quem o acompanhou na noite em que chegou a São Paulo. "Ele queria ver a cidade, as mulheres... (risos)".

O produtor: Outro Chico pernambucano que pode opinar com propriedade é o produtor de elenco Chico Accioly, que identifica fortes traços nordestinos no diretor. De acordo com ele, existe uma entidade que "baixa" de vez em quando no set, batizada por ele de "cangaceira ninja". "Ela vem que vem", diz. Segundo Chico, a cangaceira aparece em momentos críticos. "Ela chega com uma violência típica de um cangaceiro nordestino, o sotaque pernambucano fica ainda mais forte e ele resolve tudo com uma habilidade cirúrgica impressionante, aí entra o ninja. Não fosse a cangaceira, e esperássemos os trâmites normais, não daria. As pessoas ficam bem assustadas quando ela baixa, mas vem nos momentos certos e, com a mesma rapidez que chega, vai-se embora." Na opinião do amigo e produtor, a cada trabalho ele entende melhor a alma dos atores. "Apesar de ter exata noção do que quer, ele dá liberdade para criarem."

A estreante: A paulistana Laura Neiva, 15, protagonista de "À Deriva", concorda com a opinião do produtor. "Ele tem um olhar que parece ser mau, mas não é", diz Laura, que foi escolhida para o papel por meio de fotos no Orkut e nunca tinha feito absolutamente nada como atriz. O fato de ela ter, de certa forma, representado o diretor no filme os aproximou muito. "Criamos cumplicidade, foi uma relação especial", diz ela. Durante as filmagens, que duraram dois meses em Búzios, Dhalia e Laura conversavam muito sobre as cenas, ele contava de onde tinha tirado a ideia e, segundo ela, o processo foi importantíssimo para se sair tão bem no filme.

A veterana: Débora Bloch, a atriz que vive a mãe de Laura, corrobora todos os elogios anteriores. "Ele tem um olhar muito preciso. Conhece bem a história que quer contar e está sempre aberto para as sugestões. Incorpora tudo o que você propõe, mas, ao mesmo tempo, sabe o que quer da cena e te pede isso de maneira clara."

Par romântico: O diretor namora a roteirista Vera Egito, 27, que o ajudou a escrever "À Deriva" e trabalhou como estagiária em "O Cheiro do Ralo". "Somos parceiros de trabalho antes de namorarmos", diz ela. Vera teve dois curtas exibidos em Cannes neste ano e acredita que viveram um momento único juntos no Festival. "Foi o nosso ano!"

(Corta para entrevistadora ao vivo)

Close na repórter: Na tarde em que recebe Serafina em sua nova produtora, no Alto de Pinheiros, em São Paulo, o diretor se mostra "cool" e ao mesmo tempo envergonhado. Garante não ser tímido, mas olha para baixo na maior parte da entrevista. "É uma matéria sobre mim, pessoal", justifica. Seu lado paulistano sobressai em relação ao pernambucano, que surge na simpatia e no sotaque. Se o "Cheiro do Ralo" é a tradução de seu encontro com São Paulo, "À Deriva" resgata suas memórias pernambucanas. Quando pergunto se ele não sente saudade do mar, a resposta vem rápida: "O mar está dentro de mim."

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