São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINA

Céu vai à Jamaica e volta com o melhor disco do ano

por ADRIANA FERREIRA SILVA

MENINA DE OURO

Ela é filha de artistas, amiga de estrelas, mas não faz nenhuma questão de holofote. Ao lançar o segundo disco, “Vagarosa”, a cantora Céu se firma como uma das mais genuínas e autorais vozes de sua geração

Apaulistana Maria do Céu Whitaker Poças é uma moça de família. Mas de uma família moderna, de artistas. Então, ao completar 18 anos, em vez de perguntarem sobre o alistamento no vestibular, seus pais disseram: “Filha, vá trabalhar”.

E ela foi.

Céu se jogou no mundo. Mais precisamente em Nova York, onde foi garçonete, faxineira, carregou casacos e cantou.

Seis anos depois, Céu voltaria a Manhattan, desta vez para cantar em clubes da moda e em casas de show famosas, como o S.O.B’s. Aos 25 anos, lançou seu primeiro álbum (“Céu”, de 2005) e recebeu o disputado selinho do “hype”: fez turnê internacional, concorreu ao Grammy Latino e interpretou “Wave”, de Tom Jobim, num Maracanã lotado, na abertura dos jogos Panamericanos de 2005.

Tomando uma média acompanhada de pão com manteiga na chapa numa padaria no bairro do Sumaré, em São Paulo, Céu comenta, com sincera surpresa, o que aconteceu naquela época. “Não esperava viajar com a banda nem ter uma recepção tão calorosa. Achava que poderia acontecer uma coisa bacana com o disco, mas não algo assim.”

O sucesso reverberou e, de queridinha do circuito underground, Céu passou a ser a “mina” da vez. Foi assediada por grandes gravadoras –recusou todas as propostas–, recebeu convite para cantar na ilha de “Caras”–que também rejeitou–, participou de programas de TV e foi apontada por produtores, em reportagem publicada na Ilustrada escrita por esta repórter, como a jovem cantora que deveria estourar em 2006.

Foi por causa dela também que se passou a falar sobre uma onda de “novas cantoras”, que incluía nomes como os de Mariana Aydar e Ana Cañas, entre outras.

Mas Céu é “totalmente diferente”, avisa Luiz Melodia. Hoje parceiro musical, ele diz que admirava a “maciez” de sua voz antes mesmo de conhecê-la. “Ela é bem especial e única no que se propõe a fazer. Vejo Céu como uma das [cantoras] mais promissoras musicalmente”, afirma.

Mesmo sob chuva de confetes, Céu não se deslumbrou. Ao contrário, em plena ebulição musical e midiática, moça de família que é, encontrou seu par, o produtor Gui Amabis, engravidou e deu à luz a pequena Rosa Morena, em agosto de 2008; e ,então, se recolheu. Agora, aos 29 anos, ela refaz o caminho e volta aos holofotes com “Vagarosa”, disco que chega às lojas em agosto.

O BALANÇO DO BERCO

A história de Céu começa em casa, onde ela era ninada ao som de canções do músico Garoto. Ao violão, estava seu pai, Edgard Poças, multiinstrumentista e compositor que era amigo de Vinicius de Moraes e criou o grupo infantil mais famoso da década de 80, a Turma do Balão Mágico.

Filho de um português, quando era criança, Edgard costumava passar temporadas na casa de seu avô, numa aldeia em Portugal. Lá, trabalhava Maria do Céu, uma aldeã de mãos calejadas que carregava jarros d’água na cabeça. “Ela gostava muito de mim”, conta Poças. “Costumava dizer a ela que, se tivesse uma filha, seu nome seria Maria do Céu.”

A escolha ocorreu com a aprovação da mãe, a artista plástica Maria Carolina Whitaker, de uma tradicional família paulista. Na década de 70, Carolina abriu um bar em São Paulo, onde bebericavam bambas como Toquinho. Foi nessa época, que ela se tornou musa do violonista e inspirou o clássico “Carolina Carol Bela”, parceria de Toquinho e Jorge Ben.

Com o pai ao violão e a mãe entoando cirandas, serestas, afro-sambas, Céu se lembra da sala de casa sempre cheia de gente. “Não eram pessoas famosas, mas sempre tinha alguém tocando piano, puxando uma música.”

Em meio às estrelas, Céu era uma “pivete” que queria conhecer Tob, um dos meninos do Balão Mágico, e passava horas no quarto imitando cantoras como Clara Nunes, Nana Caymmi e Edith Piaf. Isso longe dos olhos dos outros.

“Quando era pequena, Céu fazia muito charme para cantar”, conta Poças. “Queria gravá-la, mas, quando ela pressentia que estava registrando, não cantava mais.”

LÁPIS E MICROFONE

Enquanto o irmão mais velho, o também cantor Diogo Poças, fazia graça interpretando samba de breque para os adultos, Céu demonstrava outras habilidades: o traço perfeito. Ela desenhava histórias em quadrinhos nas quais os personagens eram artistas no palco. Uma delas, Samantha Rachel, era uma cantora que tinha trejeitos de Carmen Miranda.

“Sempre achei que ela seria cartunista”, diz o pai. Por isso, causou espanto o abandono das aulas de desenho para estudar música. Céu diz que, ao contar à família sobre a decisão de ser cantora, ouviu um “tem certeza disso?”. “Ninguém disse ‘ah, que ótimo’. Fui atrás de tudo na raça.”

Esse percurso incluiu aulas de canto lírico e lições de violão e piano com o pai e contas pagas pela interpretação de jingles.

“Óbvio que, nesse momento, meu pai me ajudou. Foi ele quem me apresentou a alguns estúdios. Mas isso não quer dizer que fui chamada para trabalhar por causa dele, porque, no começo, eles não me chamavam.”

A crise juvenil levou Céu a criar laços fundamentais para a repercussão de seu primeiro trabalho. Essa fase começou durante a temporada em Nova York, onde conheceu o compositor Antonio Pinto, que a apresentou a Beto Villares –produtor de seus dois discos– e ao instrumentista Tejo Damasceno, que a introduziu aos amigos do coletivo Instituto. E a rede estava formada.

De volta ao Brasil, Céu se enturmou com a “avant-garde” da música nacional (veja pág. 19).

Essa teia de relacionamentos também é responsável pela diversidade de sua sonoridade, que a leva a transitar por estilos como reggae, dub, afrobeat, jazz, rock, samba e MPB. “Encaro a música como uma coisa livre de estilos”, afirma. “As pessoas costumam dizer ‘ela faz uma mistura de tudo’. Mas não é bem isso. Existe uma coerência em meu trabalho.”

MUSA ANTIPOP

Mesmo com toda transformação que lhe trouxe a maternidade (“muda muito a mulher, mexe em lugares ancestrais”) e o amadurecimento musical proporcionado pelo segundo disco (em que ela assina também a produção e a maioria das letras), Céu manteve intacto um de seus traços mais marcantes: a timidez –que nos tempos atuais também poderia ser interpretada como puro resguardo.

“Você já me viu cantando de costas?”, pergunta à repórter. “Era uma jeca total. Ainda sou. Não levo jeito para celebridade.”

Não leva mesmo. Durante a sessão de fotos para Serafina, sentiu-se desconfortável e dispensou o salto escolhido pela produção. Preferiu suas botas e os cachos presos num rabo.

Que não a coloquem, portanto, no panteão das divas. Fazer pose não combina com ela, nem com sua voz. “O que me alimenta na criação é a letra, o contato com as pessoas, a simplicidade. Essa coisa de ser diva é chata.”

Com a turnê do disco novo (distribuído pela gravadora Universal), que começou em meados de julho, nos Estados Unidos, Céu deve frequentar palcos de todas as regiões do Brasil –com patrocínio do Natura Musical, projeto que já bancou a turnê de Marisa Monte.

Desta vez, cantando de frente para o mundo.

Texto Anterior: FINO: Heitor Dhalia, autor de “À Deriva”, no rumo certo
Próximo Texto: ANAGRAMA: Lygia Fagundes Telles revê seus livros e sua vida
Índice


Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.