São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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FINA

Reinações de Regina

por VIVIAN WHITEMAN

Figura mítica da moda brasileira, amada e odiada com a mesma intensidade, regina guerreiro foi menina caprichosa, editora poderosa, caiu no esquecimento e ressurgiu em novo formato

Criança-modelo, com vestido de organza plissada e laçarote de veludo no cabelo impecável, Regina Guerreiro era rainha de seu mundinho desde pequenina. Sem companhias infantis para dividir as brincadeiras –seu único irmão é 14 anos mais velho que ela–, a menina bem-criada da classe média alta paulistana inventava histórias malucas e gostava de falar sozinha. "Fui uma garotinha mimada, confeitada e solitária. Para acalmar minha solidão, inventava a realidade à minha volta", conta.
Moça bem-educada, estudou nos tradicionais colégios Sion e Des Oiseaux, foi professora primária, deu aula de religião e, quando se cansou de fazer o que os pais queriam, rebelou-se e foi estudar jornalismo. Queria ser escritora e, jura, sempre preferiu a palavra à imagem –tanto que imprimiu à cobertura de moda seu estilo de escrita muito peculiar, onomatopeico e divertido, cheio de ui-ui-uis e neologismos.
Maior editora de moda que o Brasil já teve, Regina Guerreiro, da posição de certa forma privilegiada que lhe oferecem seus 70 anos de vida, diz que foi amada e odiada com a mesma intensidade. E ainda é capaz de despertar reações intensas. Afastada da mídia impressa desde que deixou de editar os especiais fashion da revista "Caras", a "diaba" fashionista voltou à ativa, no mundo virtual.
Há pouco mais de dois meses, lançou seu próprio blog, o apimentado "De Mel e de Fel", hospedado no UOL. No momento está gravando, para o mesmo portal, os primeiros episódios de seu novo programa de entrevistas e comentários, que atenderá pelo sugestivo nome de "Treme-Treme". "Quero que seja como nos anos 1970 e 1980, quando eu consegui sacudir a mesmice da alta sociedade paulistana. Imagine o quanto vão me detestar!", diz, com um sorrisinho arteiro.
O período a que Regina se refere coincide com o auge de sua carreira como jornalista de moda. Nos anos 1980, ela –que já havia causado furor nas revistas "Manequim" e "Claudia"– editava a edição brasileira da "Vogue". Naqueles tempos, o apartamento em que vivia, em plena avenida Paulista, era ponto de encontro não só da elite fashion emergente, mas também de artistas e intelectuais de diversas áreas. "Eu dava festas incríveis, que varavam a madrugada e terminavam às 11h. Maconha, cocaína, LSD, era tudo muito movido a droga, uma época de experiências perigosas. Hoje, só tomo antidepressivos", conta.
De suas décadas de editora todo-poderosa, ela guarda muitas histórias, mas diz que muito do que contam sobre ela não passa de lenda. É verdade, por exemplo, que ela quase intoxicou uma equipe inteira só para ter "a cor incrível" de uma montanha de enxofre num editorial fotografado em estúdio. Também não nega que, durante uma sessãode cliques em Israel, largou uma modelo-problema sozinha no meio do deserto (a moça, "acredita", foi resgatada mais tarde).
Jura, porém, que jamais trancou a porta da Redação de uma revista para impedir que os funcionários saíssem sem terminar tarefas passadas por ela. "Eu dei ordem para ninguém sair, mas não passei a chave na fechadura como contam por aí", afirma, inocente.
Exigente e até tirânica são adjetivos atribuídos a Regina com alguma frequência. Ela, porém, defende-se. Começou a fazer moda no Brasil no início dos anos 1960, quando não havia escolas do ramo, grandes estilistas, fotógrafos especializados nem modelos profissionais. "Se os pioneiros, como eu fui, não tivessem pulso firme, hoje não teríamos o grau de organização que alcançamos no mercado de moda. É difícil começar do zero."
Regina foi uma das primeiras editoras a viajar para fora do Brasil para produzir e fotografar editoriais e entrevistar criadores estrangeiros. "Eu ia com as roupas todas numa mala, arrumava uma modelo local, geralmente na rua mesmo, penteava, maquiava, editava os looks, tudo sozinha." Em 1967, foi para a Espanha, onde realizou sessões de fotos e entrevistou o excêntrico estilista espanhol Manuel Pertegaz em sua casa em forma de torre. "Foi um deslumbre, parecia um sonho", derrete-se.

FÊNIX
Mas nem tudo foram belezas na vida de Regina. Depois de perder seu último cargo de editora, ela sentiu o baque de ser esquecida. "Gente que me estendia tapetes vermelhos passou a me virar o rosto. Doeu muito." Além disso, passou por sérios problemas pessoais. Primeiro, diz ter sofrido um desfalque de sua ex-assistente, que teria fugido com todo o dinheiro tirado das contas e aplicações da fashionista. Depois, descobriu que estava com câncer.
Na mesma época, aceitou prestar uma turbulenta consultoria de estilo para a grife TNG, da qual não gosta de se lembrar. Da experiência, só comemora ter conhecido seu novo assistente, amigo e braço direito, Ray Mendel, que fazia parte da equipe de estilo da marca –entre seus ex-assistentes famosos está Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio.
Curada do câncer, Regina ressurgiu das cinzas. Além do blog e do programa, está preparando um livro-coletânea de imagens de moda e vai ganhar um documentário sobre sua trajetória. Também está apaixonada. Mas o destino não é de facilitar as coisas para ela.
Há quatro anos, Regina reencontrou seu amigo de infância e primeira paixão –segundo ela, um "bon-vivant"– Luiz Dias Correa de Barros, 75. No passado, os dois já tinham dividido "experiências adolescentes": tiveram alguns encontros após Regina, que se casou virgem para sair de casa, ter se divorciado de seu único marido oficial. Ela diz ter vivido, nas décadas seguintes, muitos romances, mas só agora reencontrou "a força de um sentimento verdadeiro".
Luiz se mudou para a casa de Regina, que aceitou acomodar na sala branca de seu apartamento moderno e descolado, em Higienópolis, uma estátua sacra da qual ele gosta muito, mas que ela considera "horrenda". A fashionista também aprendeu a assistir a programas de esporte na TV e até se especializou em jogos de tênis.
A parte amarga da história é que Luís está doente, com câncer no pulmão. Regina cuida e fala dele com carinho. De repente, olha para a estátua. "É uma concessão de estilo", diz, querendo subir no salto. A verdade é que, no reino estetizado de Regina, há um grande espaço aberto para as imperfeições do amor.

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