São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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FINO

Alfaiate da epiderme

por GUSTAVO FIORATTI

Após anos tatuando o corpo alheio no Brasil e no Japão, Jun Matsui se lança ao mundo da ourivesaria

Quem quiser gravar o rosto da namorada no peito, uma rosa vermelha no braço ou uma estrela azul no cangote não deve procurar o tatuador Jun Matsui, 38. Ele há de recusar o trabalho. Sem dó.
Um dos brasileiros de maior prestígio no ramo da tatuagem, Matsui chegou a um ponto da carreira em que ele –e apenas ele– decide o desenho que o cliente levará na pele. "É como se você fosse escolher uma calça e o estilista dissesse: ‘Bicho, pensa bem, porque essa calça você vai usar até morrer’", compara (com o detalhe de que, em sua "alfaiataria da pele", o cliente não escolhe, acata).Matsui, qual um psicanalista, costuma primeiro ouvir o cliente sobre todo e qualquer assunto imaginável, para conhecê-lo. A partir dessas impressões, elabora um diagnóstico: a tatuagem, a ser gravada no corpo alheio, sempre em tinta preta. "Preciso conhecer a pessoa para saber o que tem a ver com ela e em que momento da vida está", diz. Ele cobra R$ 1.200 por sessão de trabalho, tempo suficiente para produzir uma imagem pequena. Desenhos maiores são espaçados ao longo de semanas, para dar tempo à cicatrização.
Seus traços, geométricos e com abundância de áreas em preto, lembram desenhos tribais –herança dos muitos anos em que Matsui morou no Oriente. Com quase 20 anos de oficio, ele já tatuou a cantora inglesa Rihanna e o fotógrafo italiano Mario Sorrenti.
Em novembro de 2009, o tatuador pintou de ponta a ponta o corpo da atriz Alinne Moraes para um ensaio fotográfico. Foi uma exceção à sua regra. Por estética –e não por machismo–, ele considera a tatuagem um adorno essencialmente masculino. Defende que a tatuagem japonesa, nascida no mundo da máfia, servia para tornar o homem mais homem. "Mas se você me perguntar se uma tatuagem faz uma mulher mais mulher, a resposta é não", respondeu, em uma entrevista.Talvez para dar conta dessa polaridade, Matsui se abriu, recentemente, a um novo ofício: o desenho de joias de ouro. A exemplo das tatuagens, as peças são moldadas à luz do que ele observa na clientela. Custam de R$ 2.600,00 a R$ 11.000,00. Algumas ele faz em duas horas. Outras só chegam ao ponto exato após quatro meses.Diante de um conjunto de pequenos anéis recém-chegados de um ourives do centro de São Paulo, Matsui diz: "Se eu cruzar com uma pessoa de personalidade marcante, pode ser um frentista ou um jogador de futebol, acabo fazendo uma peça inspirada nela".Para dar o pontapé inicial, derreteu objetos de sua própria coleção. Diz que costumava usar ouro quando se sentia angustiado ou triste. "Eu ia lá e metia umas correntes, pingentes e anéis. Acreditava que melhoraria com aquilo. E ainda acredito."Ele vive entocado dentro de sua casa em Alto de Pinheiros, onde funciona seu ateliê. Os ambientes estão sempre imersos na penumbra de cortinas e persianas. Dos cantos de sua casa, surgem animais inanimados de toda espécie: o desenho de um tigre na cortina japonesa, a escultura de uma coruja de madeira na entrada, a fotografia de uma cobra tatuada no corpo de uma mulher. E plantas. Muitas.Matsui nasceu em Recife. O pai é japonês, e a mãe, brasileira. Morou de 1989 até 2007 no Japão, onde trabalhou como operário e "bartender", até se interessar pela tatuagem. Seu primeiro cliente foi ele mesmo. Estendeu o braço na mesa, pediu ao irmão que o ajudasse a manter a postura, e começou a se tatuar. "Rola?" perguntou. Rolava.No Japão, Matsui dividia um andar inteiro de um prédio invadido em Mishi-Azabu, bairro nobre de Tóquio. Seu escritório cresceu, ele abriu uma loja de roupas e chegou a ter oito funcionários sob seu guarda-chuva –situação rara no mundo pouco profissionalizado da tatuagem.Três anos atrás, voltou ao Brasil, para recomeçar do zero. Trocou a vida agitada do Japão pela (semi) calmaria de quem, agora, dedica parte do dia a regar plantas e fazer comes e bebes naturais para si mesmo. O que soa como contra-senso a quem batalhou para chegar tão longe, para Matsui, é normal. "Não sou artista. Sou apenas artesão", costuma dizer.

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