São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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PESSOA FÍSICA

A crise vistado Leblon

por ANA RIBEIRO

Entre caminhadas no calçadão e brigadeiros, como os financistas do bairro fino carioca viveram os dias de pânico nas bolsas

No mercado financeiro, os escritórios são iguais em toda parte. Computadores, telefones, terminais multicoloridos repletos de gráficos. Financistas também são parecidos entre si. Seja em Nova York, Moscou ou Madri, preferem ternos cinza, azul-escuro e grafite. Nos pés, Gucci e Ferragamo. Usam o celular como extensão do corpo, falam inglês sem sotaque. Mas, como Adriana Calcanhotto já havia anunciado em música e letra, cariocas são diferentes. A começar pelo lugar onde trabalham, a poucos metros da praia, e pela ausência que ostentam na altura do peito: gravatas. Em meio à devastadora crise econômica de outubro, a reportagem de Serafina circulou pelas ruas do Leblon para tentar encontrar vestígios de pânico -esbarrando em artistas, surfistas e turistas.

Antes, um esclarecimento: nas outras metrópoles, os escritórios financeiros estão nas regiões centrais. Migram, como nômades, para áreas de maior valorização. Ocupam edifícios ultramodernos. Não é o caso do Rio. Como os bancos de investimento voaram para São Paulo, restou aos cariocas um nicho específico: administrar o dinheiro do vizinho. Por isso, a proliferação de "assets" (posse, em inglês) -empresas pequenas, especializadas em gerenciamento de patrimônio. E, entre os 40 mil habitantes do Leblon, quem não trabalha no mercado financeiro tem grana suficiente para participar dele.

"Decidi pelo Leblon por amor ao bairro. Moro aqui há muitos anos. Depois, como somos uma 'family office' [gerencia fortunas familiares], estamos perto dos clientes. Além disso, construí esse prédio", diz Mauro Molchansky, na portaria do Leblon Corporate, que abriga, entre outras, a Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Dono da Real Assets e ex-diretor da Aracruz Celulose e da Globopar (holding das Organizações Globo), Molchansky trabalha dobrado nas crises. Aos 58 anos, como viveu muitas outras, é incessantemente procurado: "Igual a essa, só a da Ásia [1997], mas a atual é mais crítica. Estávamos preparados, desfizemos posições, mas do estresse ninguém está livre. O gestor precisa estar sólido, psicológica e fisicamente. Hoje mesmo, apesar do dia ruim [a Bovespa havia caído 12% em 15 de outubro, dia da entrevista], aproveitei o almoço para nadar. Todos os dias, bem cedo, depois de checar os mercados, caminho meia hora no calçadão".

Sócio da Iposeira, o ex-diretor do BNDES Wallim Vasconcellos, 51, diz que só o fato de trabalhar no lendário "Baixo Leblon" -que por anos foi a mais badalada boemia do país- já reduz o nível de estresse. "É diferente do clima da Faria Lima [um dos endereços dos executivos paulistanos]. A gente sai para a rua e vê que a vida continua." Recentemente fortalecida por uma associação com o Unibanco, a Iposeira radicalizou a fórmula de sucesso dos bancos de investimento: um gestor "sênior" no comando, meninos de talento e ambição na operação diária. "Como é a primeira crise deles e eu já vi várias, inclusive no governo, procuro mostrar que o importante é focar no longo prazo", diz Wallim.

Cenário de novelas de Manoel Carlos, crônicas de João Ubaldo Ribeiro e canções do Paralamas do Sucesso, o Leblon abriga duas dezenas de "assets", gestoras e corretoras. Juntas, numa avaliação conservadora, administram algo como R$ 10 bilhões. Apesar disso, nos dias mais críticos da crise, com protestos diários em Wall Street e frenesi nas bolsas, a rotina do bairro permaneceu inalterada. Aparentemente. "Acho que os garotos estão mais tensos. À tarde, a procura pelos brigadeiros aumentou. Mas, se tem crise, não sei. Eles gastam do mesmo jeito", diz a vendedora Elza Murilo, da doceria Colher de Chá.

DELIVERY
Se a procura por doces é sinônimo de ansiedade, muitos executivos optam por uma dieta balanceada. "O pessoal do mercado come coisas leves, massas e peixes. Nos últimos dias, a coisa ficou feia. Estão de cabelo em pé, almoçam no escritório. O único movimento de alta foi o do 'delivery'", brinca Maia Van Velthen, chefe de cozinha do restaurante Quadrucci.

Aliás, é nos restaurantes e bares do Leblon que circulam informações hiperprivilegiadas. Na segunda-feira, dia 13, quando a Bovespa subia 11%, o gerente Antônio Pires, do tradicional Jobi, gabava-se do "insider": "Vi que a crise tinha acabado na sexta-feira (dia 10, queda de 4% na Bovespa) quando o pessoal da Gávea Investimentos comentou que tinha se esbaldado de comprar ações". O requintado e caríssimo Antiquarius desenvolveu até uma espécie de termômetro financeiro --mistura do índice Big Mac, da revista "The Economist", com o Risco-Brasil, do banco JP Morgan: "Muitos estrangeiros fecham negócios aqui. Quando eles não aparecem, é sinal de que o mercado está fraco", diz o gerente Luciano Fernandes.

Os números corroboram o "índice Antiquarius". Só nos dois primeiros dias de outubro, os estrangeiros tiraram mais de R$ 1 bilhão da Bovespa. Mas, no Leblon, não é prenúncio de pessimismo. Ao contrário. "Crise é oportunidade, sempre. Nesses momentos, nossa filosofia de trabalho fica ainda mais importante: educar o investidor. Em vez de estresse, palestras sobre o mercado", diz Bruno de Paoli, diretor da corretora XP.

Na segunda quinzena, quando a crise permanecia feia, aqui e lá fora, um observador da cidade notou que ao menos o bom humor voltara. Piadas circularam entre financistas. Numa delas, um investidor fanfarrão comenta com o vizinho de bar, desolado, depois de um dia péssimo: "Essa crise é pior do que divórcio. Já perdi 50% do meu patrimônio e a minha mulher continua lá em casa". É a vantagem de trabalhar e viver no Leblon, diz David Sizman, dono do restaurante Nam Thai, ele próprio investidor/morador. "Você encontra o cara que administra o seu dinheiro tomando café da manhã na padaria, em pleno sábado de sol. Falar o quê? É aquela coisa: está tudo uma merda, mas amanhã vai dar praia."

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