São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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FINO

Raiz-forte

por ANA RIBEIRO

chegando aos 30 anos, ator baiano reencontra na TV, em minissérie que estréia nesta semana, o grupo de teatro onde começou sua carreira

"Conhece esse cantor?", pergunta Lázaro Ramos quando entro no seu carro para pegar uma carona até o restaurante. Terminamos a sessão de fotos em Santa Teresa, seu bairro preferido no Rio de Janeiro -"parece um Pelourinho mais bucólico"-, e o baiano sugere um almoço no Bar do Arnaudo (assim mesmo), que serve o fino da culinária nordestina: arroz, feijão-de-corda, carne-seca, batata-doce, farofa. A voz que ouço na perua Picasso preta soa conhecida, mas será possível? "Parece você cantando", arrisco. É isso mesmo: as músicas estão na trilha sonora da série "Ó Paí, Ó", que estréia na Globo na próxima sexta, dia 31.

O nome da série, do filme de 2007 dirigido por Monique Gardenberg e da peça de teatro que deu origem aos dois, criação que em 1992 revelou o trabalho do Bando de Teatro do Olodum (leia texto na página ao lado), é uma expressão baiana, corruptela de "olha para aí, olha", que significa algo como "presta atenção".

Ele canta bonito, afinado, mas esclarece que não é cantor. "Eu canto como ator", explica, dizendo que se enquadra na mesma categoria como dançarino. "Aprendi a dançar para o palco, em festas fico supertímido. Tenho dificuldade de dançar miudinho, toda minha dança é espetacular."

Lázaro deve muito do que sabe a seus personagens. Aos 15 anos, quando começou a levar o teatro a sério no Bando de Teatro do Olodum -antes disso tinha feito cursos no Centro Integrado de Educação Anísio Teixeira, escola pública de Salvador-, habituou-se a ler bastante, primeiro peças e depois biografias, e teve iniciação também em música, canto, dança. Ainda hoje, é a preparação para fazer seus personagens que define suas atividades físicas -já fez boxe, capoeira, balé; para a filmagem da série, tomou aulas de canto e piano e fez muita malhação. "Não sou muito disposto para me exercitar. Odeio malhar!"

Sua mãe, Célia, botava fé em seu futuro como ator e até o ajudava a decorar os textos. Seu pai, Ivan, funcionário do Pólo Petroquímico de Camaçari (BA), tinha seus medos. "Ele me incentivava a estudar na escola técnica e trabalhar na Petrobras. Dizia que teatro não dava camisa para ninguém", lembra Lázaro. Para acalmar o pai, chegou a fazer um curso de desenho de patologia clínica, e, durante dois anos, trabalhou em hospitais, como o Ramiro de Azevedo, em Salvador, ?realizando exames de sangue. "Eu era o cara da picada", ri. Célia morreu quando Lázaro tinha 20 anos e não viu o ator que ele se tornou. O pai, a certa altura, entregou os pontos: "A vida é sua". Hoje, aposentado, vive no Rio e acompanha de perto o sucesso do filho. Bem mais de perto agora, desde que Lázaro se mudou para a sua casa, em Santa Teresa, entre a separação da atriz Taís Araújo, 29, em março, e a compra de uma casa que ele ainda está procurando. Sua única irmã, Viviane, 19, faz faculdade em Salvador. "Vai ser difícil abrir mão da companhia do meu pai. A gente se entende e ele cozinha muito bem. A especialidade é comida caseira da boa."AMIGOS DE FÉ

Dia 1º de novembro Lázaro faz 30 anos. "Estou doido para planejar uma festa", empolga-se. Não podem faltar dois amigos do peito, da mesma safra premiada de atores baianos: Wagner Moura e Vladimir Brichta, ambos de 32 anos. "Eles são de outra geração, bem mais velhos do que eu", brinca Lázaro. "Eu tenho 29 e eles já estão com 30 e poucos." Os três estavam no elenco da peça "A Máquina", dirigida por João Falcão, que em 2000 partiu de Salvador para viajar o Brasil e ficou em cartaz por dois anos e meio.

Lázaro nunca mais voltou da temporada no Rio de Janeiro. "Nos primeiros dois anos minha idéia não era me mudar definitivamente, mas fui ficando. Vivi de hotel em hotel a cada trabalho que aparecia, dividi apartamento com amigos. Em 2003, caiu a ficha de que eu não iria mais voltar, e finalmente aluguei uma casa", lembra. A amizade de fé que nasceu com "A Máquina" continua firme. Lázaro é padrinho de Bem, 2, o filho de Wagner Moura. "Mantivemos uma tradição baiana de nos visitar sempre. E felizmente trabalhamos juntos às vezes."

Lázaro já fez mais de 15 filmes, 30 peças, duas novelas. No filme "Ó Paí, Ó", em que interpreta o herói romântico, o aspirante a cantor Roque, Wagner aparece como Boca, um trambiqueiro esquisitão. Só Roque volta para a série, agora em versão pop star. Adorado pela comunidade, ele começa a fazer sucesso e conta com a torcida de todos os moradores do Pelourinho, onde um animado cortiço é o cenário dos seis episódios. Baseados em histórias reais do centro histórico de Salvador, os personagens foram adaptados da montagem teatral para o cinema e para a TV. "Roque mistura três figuras da peça: Severino, gari fã do Roberto Carlos; o militante da causa negra Marcelo; e Mary Star, 'melristar' no sotaque baianês, cantora do interior que sonha em entrar num bloco afro."

Em tom de brincadeira, Lázaro ensina uma lição que aprendeu na vida profissional. "Há que se mudar o penteado a cada novo papel. O cabelo é o único recurso do ator", ri ele, repetindo a piada que contou para Jorge Furtado nos bastidores do filme "Saneamento ?Básico", e que o diretor ali mesmo aproveitou, transformando em fala da personagem de Camila Pitanga. Os atuais "dreadlocks" existem desde agosto, quando Lázaro se despiu do Roque.

BLACK IS BEAUTIFUL

Lázaro Ramos tem duas convicções na vida. Uma é ser ator. A outra é ser um ator negro. Quando entrou para o Bando de Teatro do Olodum, em 1994, numa seleção na qual 200 candidatos concorriam a cinco vagas, ele encontrou mais do que um grupo de teatro. "Eu era garoto ainda, mas já buscava minha identidade, ouvia Caetano e Geraldo Vandré. Nunca fui baixinho da Xuxa", diz. "De cara, identifiquei-me com o discurso do grupo de atores criado em 1990 para fugir do estereótipo e modificar a representatividade do negro na dramaturgia. As montagens buscavam entretenimento e reflexão, falávamos no palco dos assuntos que queríamos discutir. Ainda me sinto parte do grupo", conta. Nas próximas seis semanas, ele de fato fará: divide a cena com atores do Bando na série de TV ?"Ó Paí, Ó", os mesmos com quem contracenou no filme de 2007.

No teatro Villa-Lobos, no Rio, estão em cartaz até 22 de dezembro quatro montagens do Bando de Teatro do Olodum: "Sonho de Uma Noite de Verão", "Ó Paí, Ó", "Cabaré da Raça" e "Áfricas", primeiro espetáculo infantil do grupo.

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