São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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FINA

Paris muda

por DANUZA LEÃO

Os hotéis parisienses favoritos de Danuza Leão estão em livro de crônicas de viagem que será lançado em novembro; SERAFINA antecipa um dos capítulos

Paris muda, e também para melhor. Em matéria de hotéis, perto da Gare du Nord há um novo chamado Hôtel Amour -bonito nome-, onde o balcão do bar é esculpido em gelo; com as recentes tecnologias, o gelo não derrete nunca. Para um hotel chamado Amour, no entanto, não seria mais adequado um bar com uma bela lareira? Se você for lá para almoçar, não deixe de pedir os macaroni recheados de queijo, crocantes, uma verdadeira delícia. E, dependendo da companhia, reserve um quarto para fazer a sesta, na melhor cama que pode existir, com almofadas e edredons de todas as cores. Isso é que é a vida -a boa.

Também foi inaugurado há pouco tempo o hotel Murano, lindo, todo branco. Logo na entrada se ?vêem a lareira bem baixa e sun-?tuosos sofás Chesterfield em couro branco. A curiosa sala de jantar, vermelha e branca, tem luminárias semelhantes a estalactites que parecem que vão cair em cima da cabeça dos clientes. Olhe mais em volta de você do que para o seu prato, vale mais a pena. Sobre os guardanapos brancos, blocos de papel e lápis coloridos para você desenhar enquanto espera.

Um hotel não muito conhecido, e que é uma jóia, é o Pavillon de la Reine, em plena Place des Vosges. Vou começar falando sobre a praça, talvez a mais bela de Paris. Não sei bem por que, mas sempre deixo para ir lá aos domingos. Construída em 1612, é a mais antiga da cidade; lindamente simétrica, suas casas são todas iguais, e uma arcada a circunda. Ali moraram Victor Hugo e o cardeal Richelieu, e aos domingos tem sempre música. A última vez que estive lá, um jovem tocava uma melodia tão bonita numa harpa que perguntei do que se tratava. Ele respondeu só o que sabia: era uma mazurca que um amigo lhe ensinara. Mais adiante, uma pequena orquestra de 12 pessoas executava a abertura da Carmen. Parei e fiquei ouvindo, lembrando-me de Sevilha, é claro. Sob os arcos existem galerias de arte, lojinhas de moda, cafés, restaurantes. Assim, se você quer passar um domingo maravilhoso, não hesite: vá para a Place des Vosges, sem hora para voltar.

Dê um grande passeio sob a arcada; você vai encontrar a butique de Issey Miyake, a Mademoiselle Vegas, definitivamente rock'n'roll, onde poderá fazer uma tatuagem ("fake") tão perfeita que ninguém dirá que não é verdadeira. Também poderá comer um peixe ou uma carne por dez euros no Le Rouge-?Gorge ou comprar a bolsa dos seus sonhos na L'Echoppe à Sacs. Tem de tudo na Place des Vosges e no seu entorno, é só estar com os olhos bem abertos.

LUXO DISCRETO
Agora, o hotel: um grande portão de ferro se abre para um lindo jardim, e é lá o Pavillon de la Reine. A casa é coberta de folhagem verde ou vermelha, dependendo da estação, e a recepção é um encanto. São só 56 quartos, cada um deles decorado de maneira diferente, dando para deliciosos jardins floridos. De um luxo discreto, a atmosfera não pode ser mais romântica. Se você puder, passe três dias lá com seu amor, pois serão três dias inesquecíveis. E, se não puder, passe também.

Uma amiga minha -um pouco louca- estava hospedada no Pavillon de la Reine. Passou por uma dessas feirinhas de rua, viu uma galhada de alce e comprou. O comprimento da peça alcançava quase dois metros, e ela a traria para o Brasil. No hotel, falou com o "concierge", mostrou o objeto, chamemos assim, e disse que ele precisava ser embalado da melhor maneira possível, para não haver risco de acidente durante a viagem. E não é que o Pavillon de la Reine dispunha de um funcionário só para isso? Pois ele embrulhou o objeto com papel-bolha, pôs espuma de borracha na ponta de cada chifre e papelão em volta. E mais: recusou-se a receber gorjeta, já que sua função era aquela. O pacote foi primeiro para Londres, e chegou ao Brasil em perfeitíssimo estado. Detalhe: na galhada havia os nomes dos cachorros que tinham perseguido o alce e a data da morte do animal.

TRUFAS, PÊRA E CAVIAR
Bem perto desse hotel fica um dos grandes restaurantes de Paris: o L'Ambroisie. Uma das melhores cozinhas da França, três estrelas no guia "Michelin". O décor italiano, todo florido e com tapeçarias, faz reinar uma atmosfera ideal para um romance. Jantar no terraço é um sonho quando o tempo está bom. O menu traz, entre outros pratos, ravióli de lagosta; ovos poché cobertos por uma musse de aspargos verdes, com uma colher de caviar ?osciètre ao lado; um folhado de trufas (na estação) em cujo centro há uma lâmina de foie gras que perfuma todo o restaurante; e, de sobremesa, um mil-folhas de sorvete de pêra. Ah, e tem o capítulo dos queijos. O maître pergunta se o cliente prefere os suaves ou os picantes;?três ou quatro qualidades são servidas e o cliente é orientado sobre a ordem em que os queijos devem ser comidos.

Outro hotel bem charmoso e não muito conhecido é o Relais Christine, na calmíssima rue Christine. Você passa pela porta e nem suspeita de que se trata de um hotel; mas, ao entrar, verá uma grande "cour"(pátio). Vários dos quartos são duplex: sala embaixo e quarto em cima, ou vice-versa, com todo o conforto e bom gosto do mundo. É uma ilha de tranqüilidade a dois passos da confusão de Saint-Germain.

PISCINA PARA DOIS
Mas luxo mesmo você vai encontrar no L'Hôtel, a cem metros do boulevard Saint-Germain, no coração das galerias de arte e livrarias. Os quartos -somente 20- são mínimos, porém têm todos os requintes imagináveis e inimagináveis, e no hotel existe uma piscina para apenas duas pessoas. É, duas pessoas. Dizem as más -e as boas- línguas que nesse hotel é que ficavam os grandes empresários gays que queriam encontrar seus amores, por isso ele era conhecido como Pavillon d'Amour. O que me faz lembrar de um amigo meu, gay, que estava hospedado ali e perguntou ao "concierge" se seria possível subir ao quarto com alguém que não fosse hóspede. Resposta: "Pode ser até um elefante, não há nenhum problema, desde que caiba no elevador". Foi lá que viveu seus últimos anos e morreu Oscar Wilde. O quarto mais simples custa cerca de 640 euros, mas é fundamental ir lá pelo menos para tomar um drinque ou jantar -reservando, claro- , a fim de conhecer o hotel e sua escadaria, que é um esplendor.

O livro "Fazendo as Malas com Danuza" será lançado em novembro, pela editora Companhia das Letras.

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