São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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REPORTAGEM

A festa do bilhão

por CHRIS MELLO e PEDRO SOARES

Já faz alguns anos que Rio de Janeiro e Salvador travam uma disputa, cifrão por cifrão, pelo título de "maior carnaval do mundo". Os números desta festa pagã, antropofagicamente consumida pela publicidade e pelo merchandising, só podem ser comparados aos de grandes eventos do planeta

O Carnaval de Salvador foi transformado nos últimos dez anos num fenômeno midiático que gira R$ 1 bilhão em seis dias. Lá o feriado é estendido, a festa começa já na quinta-feira e invade a quarta de cinzas com um arrastão de trios para tirar as pessoas da rua -que nesse ano, estima-se, serão 2 milhões.
Isso faz do Carnaval, nesses tempos complicados para vendas de discos por conta dos downloads, uma das mais importantes plataformas de lançamento fonográfico do País. Ricky Martin, famosos DJs como Fat Boy Slim, Armin Van Buren e David Guetta, além da inusitada mistura de Carlinhos Brown regendo o grupo norte-americano Blueman Group, estarão na festa do bilhão. 
Falar assim de uma celebração essencialmente popular poderia parecer pejorativo. Mas para o baiano é assumidamente positivo -e necessário- o "moni tóki" (money talk, em baianês).
A produtora Flora Gil, mulher de Gilberto Gil, que comanda o camarote Expresso 2222, um dos mais disputados, é objetiva: "A primeira premissa do carnaval é a alegria; a segunda é ganhar dinheiro, porque sem ele o Carnaval da Bahia não seria o que é hoje". E acrescenta: "O Carnaval é como o cinema nacional. Para acontecer precisa de dinheiro. Privado ou de incentivo."
 Para organizar o Carnaval e torná-lo rentável, a prefeitura abriu licitação para que consórcios formados por agências de publicidade organizassem o evento. Maurício Magalhães, sócio de Nizan Guanaes na agência Tudo, do consórcio que venceu a primeira licitação, dá a sua versão: "Desenhamos para a prefeitura um modelo de negócio inspirado em projetos de cidades que recebem grandes eventos, como Olimpíadas e F-1, cujo conteúdo dialoga com marcas". 
Hoje a agência que dá as cartas do evento de Carnaval junto à prefeitura é a Mago, da família Sangalo.
E a coisa só cresce. Neste ano, Ivete Sangalo vai estrear o Demolidor Y, um trio com 100 mil watts de potência que, posicionado num estádio, alimentaria tranquilamente um show de rock. "O novo trio  tem loucurinhas como sofá de couro, TV a cabo, internet, três banheiros para convidados e até luzes para cromoterapia", diz Ivete.
Por essas e outras, chovem críticas às estrelas maiores e seus supertrios com corda. Ou seja: que cobram ingresso (R$300 por dia, em média) para que o folião se divirta dentro de um cercado.
Para os puristas, o Carnaval perdeu o romantismo de bloco de rua. "Hoje é carnanegócio. Quem não tem visibilidade muitas vezes sai devendo", pondera Vovô, o fundador do Ilê Aiyê, bloco afro popularizado pela música de Caetano como "o mais bonito de se ver". Daniela Mercury, outra estrela do showbiz do Carnaval, rebate: "No dia em que o Brasil for comunista, quem sabe dê para baixar a corda".
O publicitário Nizan Guanaes foi o primeiro a fazer um camarote vip, para convidados.Daniela Mercury e a promoter Lícia Fabio aprenderam a lição e fizeram o delas. Mas a maioria dos camarotes costuma cobrar. Hoje a entrada para uma noite em alguns dos mais concorridos pode custar R$ 1.500. O número de camarotes no Carnaval passa de 70.
Cerca de 550 mil turistas são esperados. Segundo a Secretaria de Turismo, a maioria é paulista (29,4%), carioca (18,4%) e mineira (7,5%). Os baianos mesmo são só 10%.

RIO DE JANEIRO
O número de visitantes e o dinheiro é maior do que no Ano-Novo. São 700 mil pessoas esperadas. Todo esse movimento gira aproximadamente R$ 2 bilhões, conforme cálculo do Sebrae-RJ.
Estima-se que a indústria do Carnaval ocupe de modo direto ou indireto até 400 mil pessoas. Boa parte desse contingente está nas escolas de samba -são mais de 60 na cidade, sendo 12 do Grupo Especial.
Cada escola da elite do samba recebe uma subvenção de R$ 5 milhões para colocar o Carnaval na avenida. O orçamento, que nas grandes escolas passa de R$ 8 milhões, é complementado com a arrecadação das quadras, shows e patrocínios.
"Cansei de fazer alegoria com jornal pintado. Isopor é algo dos anos 80. Desde então a coisa começou a ficar profissional e os carnavalescos passaram a receber por seu trabalho", diz Luiz Fernando do Carmo, o Laíla, diretor de harmonia e carnaval há 51 anos e que hoje comanda quase tudo no barracão da Beija-Flor.
Mas Laíla avalia que a festa cresceu tanto que ganhou proporções quase insustentáveis. "Não dá mais para fazer Carnaval sem patrocínio ao enredo, patrocínio institucional à escola ou parceiras. Não sei onde vai parar."
Carnavalesco campeão em 2010 pela Unidos da Tijuca, Paulo Barros apresenta outro ponto de vista. "Eu questiono isso de o Carnaval ser caro. O investimento nas escolas ainda é pouco. O espetáculo tem é de crescer mais." Em 2004, ele inovou a concepção dos desfiles com a alegoria humana do DNA.

TRAGÉDIA
Tavinho Novello é o diretor de carnaval da Grande Rio, escola que perdeu tudo neste ano durante o incêndio da Cidade do Samba no começo do mês de fevereiro. Segundo ele, o prejuízo foi de R$ 16 milhões. O fogo consumiu todos os equipamentos, máquinas, computadores e chassis de carros alegóricos. "Só de penas de faisão o incêndio levou R$ 1 milhão." Nessa conta, diz, foram queimados também os R$ 8,5 milhões empregados no desfile de 2011, que estava "98% pronto".
Diante do incêndio, nenhuma escola será rebaixada em 2011. "O meu sentimento é que o Carnaval deste ano perdeu a graça. Não perdi o tesão de trabalhar, mas, para mim, perdeu a graça", diz o carnavalesco Paulo Barros. A tragédia, diz, "esfriou a competição, a disputa, sacanagem, o disse me disse".
Mas não é só de cifrões que se faz o Carnaval carioca. A cidade hoje abriga incontáveis blocos de rua para quem não quer gastar e só se divertir. O sucesso do tradicional Cordão da Bola Preta é emblemático. "Não temos patrocínio porque não desfilamos em um corredor como em Salvador. Não vendemos abadás. É uma festa democrática e para todos, que cresce a cada ano. Em 2000, o Bola saiu com 20 mil pessoas. No ano passado, foram 1,5 milhão e esperamos 2 milhões neste ano", diz Pedro Ernesto Marinho, presidente do Cordão.

PAULO BARROS
Apaixonado pelas criações de Joãzinho 30. O sucesso veio em 2004, quando supreendeu a Sapucaí com a alegoria humana do DNA, na mesma Tijuca com a qual foi campeão em 2010

DANIELA MERCURY
Precursora do samba reggae, é a rainha do circuito Barra-Ondina, a Brodway do Carnaval de Salvador. Ela tem um trio e é pioneira no negócio dos camarotes de celebridades na Bahia

FORA GIL, mulher de Gilberto Gil
No momento comanda os ajustes finais no seu camarote, o Expresso 2222, um dos mais poderosos do Carnaval baiano, que tem orçamento de R$ 5 milhões e recebe 1200 convidados por noite

ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS, o Vovô do Ilê
Ele ganhou este apelido aos 9 anos, quando apareceu na escola vestindo um paletó. É o líder do principal bloco afro de Salvador, onde só negros podem sair

TAVINHO NOVELLO
Formado em admistração, já foi gerente comercial de multinacional. Começou no Carnaval compondo sambas-enredo. Virou diretor de Carnaval no Salgueiro e hoje comanda a Grande Rio.

FERNANDO HORTA
Português, Fernando Horta tem uma fábrica de vidro perto da comunidade do Borel, berço da Unidos da Tijuca, escola que preside. "Essa é minha cachaça". Agora, lançou-se a presidência do Vasco.


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