São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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ENSAIO

Caras

por FERNANDA EZABELLA, de Los Angeles

JR, o celebrado artista que achou um jeito de dar voz aos que não teriam, lança um novo projeto de escala global

O rosto sereno de dona Benedita, avó de um garoto assassinado numa rixa entre favelas, estampou os degraus da grande escadaria do morro da Providência, no Rio de Janeiro, em 2008. Um ano antes, retratos de palestinos e israelenses, desta vez brincando de fazer caretas, foram colados lado a lado, como se fossem amigos de muito tempo, ao longo do muro da Cisjordânia, que separa Israel da Palestina. Em Paris, algo parecido em 2006. Jovens negros da periferia, fazendo cara de mau, surgiram em enormes fotografias espalhadas pelos bairros chiques da cidade.
Da noite para o dia, todas estas imagens surgiam sem alarde, desafiando os passantes. Todos se perguntavam quem eram essas pessoas.
Quem respondia, geralmente, eram os próprios retratados ou até mesmo os donos dos estabelecimentos que autorizavam, ou não, a intervenção. Enquanto o debate se instaurava, as colagens seguiam um destino natural. Eram apagadas pela chuva, levadas pelas autoridades ou rasgadas pelos incomodados.
E quem era o responsável? Pouco se sabe sobre ele, que atende pelas iniciais JR. É um francês magrelo e falador, entre 27 e 28 anos, que não aparece em público sem chapéu e óculos escuros.
O anonimato, ele diz, não é estilo. Quer que o foco de seus projetos seja os personagens de seus pôsteres, e não ele.
"Essas pessoas não são meus modelos. São peças fundamentais do processo, me autorizam ou não a colar os cartazes nas ruas. São os curadores", disse o artista, em entrevista à Serafina em Long Beach, na Califórnia.
JR foi aos EUA neste mês para dar início a um novo trabalho, o mais ambicioso de sua carreira, graças a um prêmio que recebeu do TED, prestigiado evento que reúne líderes de tecnologia, entretenimento e design para uma semana de conversas.
A honraria, que já foi dada em anos anteriores a Bill Clinton e Jamie Oliver, equivale a R$ 170 mil e deve ser usada dentro de um conceito que no evento é chamado de "desejo de mudar o mundo".
"O que eu faço é só papel e cola, não vai mudar sua vida, certo? Mas algumas histórias foram ouvidas e esse é o mérito do meu trabalho", disse no discurso para anunciar seu "desejo".

Espelho da Sociedade
JR quer que seu trabalho seja multiplicado com ajuda de pessoas comuns pelo planeta inteiro. Você tira sua própria fotografia, pensa numa mensagem que queira defender e a cola por aí. "Recebo centenas de e-mails com convites para ir a lugares. Não dá para ir a todos. Por isso pensei em algo que qualquer pessoa possa fazer", diz. Desta forma nasceu o Inside Out Project.
O processo é simples. É preciso mandar a foto para um site, que devolverá um pôster via correio, com sua mensagem grafitada.
"O projeto será um espelho da sociedade. Claro, há pessoas que podem simplesmente tirar uma foto para colocar o pôster na sala de estar. É parte do jogo. Mas tenho certeza que muito mais gente vai querer defender uma ideia e querer espalhá-la", acredita JR.
"Não quero criar mais regras. O que peço é que as pessoas tomem uma atitude. Leva um pouco mais do que só 'gostar de algo' no Facebook."
Ao anunciar o plano em Long Beach, ouvintes se levantaram na plateia para oferecer ajuda. O Festival de Sundance garantiu fundos para um documentário, e o Google colocará as imagens no Google Earth.
JR já comprou uma máquina de impressão, alugou um estúdio em Nova York por um ano e tem verba para fazer 5.000 cartazes. Já foram enviadas 2.700 fotos ao site.
"Foi uma escolha arriscada. JR atua de forma não autorizada muitas vezes", disse o curador do TED, Chris Anderson. "Mas ele achou um jeito especial de dar voz a pessoas que não teriam. E é muito claro o que está por trás de seu trabalho, não está manchado por questões comerciais."
De fato, JR nunca aceitou patrocinadores. Financia seus projetos do próprio bolso, de livros que vende ou trabalhos que chegam a US$ 100 mil em galerias. Não se considera nem grafiteiro nem fotógrafo, apenas um artista de pôster.
Seu apelido, ele explica, vem das iniciais de seu nome verdadeiro. Também conta que cresceu nos subúrbios de Paris e que seus pais nasceram no estrangeiro. Uma câmera fotográfica achada num metrô da cidade mudou sua vida aos 17 anos. Então pichador, deixou a lata de spray de lado e passou a registrar os amigos em ação. Cópias em papel A4 das fotos eram coladas nas ruas e "emolduradas" com grafite.
Criou assim a gênese de seu trabalho, de tornar visíveis os invisíveis.

Inside out
o novo projeto de jr

• Tire uma foto olhando diretamente para a câmera, com um fundo liso e só mostre o rosto

• Mande a foto para o site www.insideoutproject.net

• Escreva no formulário sobre os valores que você defende; pode ser em qualquer língua

• Depois, resuma o texto em três palavras, que serão grafitadas no pôster

• Se quiser, conte sua história no site para ser compartilhada com outros usuários

• Uma doação de US$ 20 será pedida, mas não é obrigatória

• Ao receber seu pôster, de acordo com JR, "cole-o na janela, se não quiser problemas. Se colar na rua, escolha um bom muro para ter visibilidade. E, claro, fique preparado para correr"

• No final, tire uma foto do pôster colado e mande de volta para o site, com a localização exata


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