São Paulo, domingo, 30 de Outubro de 2011

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IN LOCO

ZUMBI LOGO ALI

Chico Felitti

Cineastas de Jundiaí, no interior de SP, querem fazer da cidade a Hollywood do Brasil, só que com zumbis no lugar de atores e com a Mulher-Bambu no lugar de estrela

A cambada de sete mortos-vivos se reúne embaixo de uma árvore. Estão mastigando. Alguns deixam escorrer do canto da boca um líquido grosso, vermelho-escuro. É o suco das amoras que os atores colhem no pé para tapear a fome, no intervalo de gravação do filme "Zumbiahy". A produção não tem bufê.

Pudera: foram consumidos R$ 1.500 em todos os 30 minutos do média-metragem. Nem um centavo com comida -as cervejas vinham em sacolas de supermercado, da geladeira dos próprios atores, que também atuavam de graça. As locações foram grátis e próximas: o parque da Uva, a serra do Japi e a Prefeitura de Jundiaí, cidade a 60 km de SP em que emerge uma indústria de filmes Z. É como se fossem os filmes B da boca do lixo paulistana, com a mesma abundância de sangue corrente e secura de verbas, mas com Z, de zumbi.

O dinheiro para "Zumbiahy", exibido pela primeira vez no último dia 31 de outubro, no Zombie Walk (nossa versão do Dia dos Mortos, que já chega a dez cidades brasileiras), veio de comerciantes locais que acreditaram num filme de terror embelezando a imagem da cidade onde seria gravado. "O dono de uma loja de camisetas de surfe deu R$ 100, contanto que um morto-vivo usasse roupas dele", diz a diretora Analise Zaqueo, 22. Açougues (com maminha e alcatra, para a maquiagem) e uma TV local (câmeras e carro) também entraram como investidores.

O NOVO VAMPIRO

Para o codiretor Fábio Castel, 22, o filme só podia se passar no interior. A história é pretexto para a sangria: uma garota sai de casa e vê uma sociedade toda infectada pelo mal. "É um retrato da vida aqui: não tem nada para fazer, então fica todo mundo andando pra lá e pra cá, que nem um bando de zumbis."

O roteiro minimalista caiu na internet e levou 40 atores voluntários, muitos da capital, para as filmagens. Caso de Fernanda Brahemcha, 21, que estuda letras na USP e nunca tinha ido à cidade do Circuito das Frutas. Tampouco tinha atuado. "É divertido, né? Você passeia, vê mato e ainda aparece num filme de morto-vivo, que é o novo vampiro."

Não é só de principiantes que se alimenta a indústria cinematográfica jundiaiense.

Toninho do Diabo, uma espécie de Zé do Caixão sem o "hype", voltou a filmar em Jundiaí. Fundador de uma igreja satanista no município de 370 mil habitantes, estava longe do cinema havia dez anos, vivendo de dar aula de "arte ninja" (tipo de exercício inspirado nas artes marciais).

Agora, aos 55, volta do além com "Fazenda do Diabo". No longa, um grupo de sem-terra é vitimado por uma macumba de Toninho e termina tomando a cidade. "Mas só a área rural", diz o diretor e roteirista, "porque nunca se viu um filme de zumbi na natureza". Ele e o empresário Daniel Vardi têm planos de explorar o exotismo e levar o filme ("Devil's Farm", na versão exportação) para feiras de cinema "trash" dos EUA. "Vai dar dinheiro", aposta Vardi.

As filmagens do longa, que custou R$ 300 mil, foram feitas numa chácara emprestada, onde, além das dezenas de figurantes voluntários, se concentra um time de futebol de várzea. Houve catatonia entre os 11 jogadores titulares quando chegou, em um Gol, a protagonista do filme.

SANGUE, MAIS SANGUE

A Fernanda Montenegro desse universo vai fazer 20 anos. De vida, não de carreira. É a aspirante a celebridade Bianca Cristina Andreto, a Mulher-Bambu. Sua música, a que mais de 800 mil pessoas assistiram no YouTube, explica a alcunha: "Dizem que eu sou magrela/ Enverga, mas não quebra". "Vou ser famosa, sabe? Essa coisa de terror é o futuro", comenta com a Serafina no set de filmagem, enquanto mordisca uma linguiça fatiada, frita por um figurante que também cozinha para a trupe. Terminada a calabresa com cebola, é hora de gravar. O figurante-cozinheiro se finge de morto no meio de bananeiras. "Sangue, mais sangue", berra o diretor. Vem o maquiador e aperta o tubo de calda de morango em cima do "cadáver". A Mulher-Bambu sai do mato, acompanhada por três retirantes. "Grita, Bambu, grita!", dirige Toninho. A primeira tomada já satisfaz o diretor de mais de 30 longas. "Está sendo meu melhor filme", diz o cineasta, que afirma se sentir um desprivilegiado. "Convidei o partido no poder para visitar o set. Não vieram. Chamei a oposição. Também não vieram. Quer saber? Vou me candidatar à Prefeitura de Jundiaí no ano que vem."

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