São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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CAPA

O ator Ricardo Darín revela que fará um filme com Walter Salles

por ALICE GRANATO, de Buenos Aires

BUENA ONDA
Serafina visita a casa do principal ator portenho da atualidade, Ricardo Darín, e conversa sobre política, futebol, o segredo do cinema argentino e sobre seu novo projeto, um filme com o diretor brasileiro Walter Salles

Não há, nas ruas de Buenos Aires, quem não tenha visto o filme "O Segredo dos Seus Olhos", vencedor do Oscar de filme estrangeiro neste ano. Taxistas, recepcionistas de hotel, garçons, vendedores, passantes, gente nova, gente mais velha, todos assistiram ao filme dirigido por Juan José Campanella e estrelado por Ricardo Darín.
A conquista do Oscar foi comemorada na capital argentina como um título de Copa do Mundo, conta o ator, que recebeu Serafina para uma entrevista em sua casa, no bairro portenho de Palermo Viejo.
Aos 53 anos, o menino dos olhos da Argentina está feliz e também surpreso com a repercussão. Seu cotidiano na cidade, geralmente tranquilo, mudou. Na semana passada, foi renovar sua carteira de motorista e ficou impressionado com a histeria das mulheres na repartição pública. "Foi uma coisa louca", diz. E olhe que o ator não se impressionaria facilmente, já que trabalha na televisão argentina desde criança. É famoso na TV, no teatro e nas telas do país. O público internacional passou a conhecê-lo há uma década, com o sucesso dos filmes "Nove Rainhas" e "O Filho da Noiva" –esse último também indicado para o Oscar.
Muito à vontade, vestindo calça jeans e camiseta, o ator concedeu quase duas horas de entrevista. Nesse intervalo, passaram pela sala seus filhos, Ricardo e Clara, sua mulher, Florencia, e o cachorro Perrito Marrón. Entre ideias sobre cinema, política e futebol, Darín revelou uma novidade: vai filmar com o cineasta brasileiro Walter Salles. Segundo Darín, o longa deve começar a ser rodado ainda neste ano, na Patagônia argentina.

O OSCAR
De que forma os argentinos receberam a notícia de que o país tinha vencido o Oscar de melhor filme estrangeiro?
Ficaram tão felizes que parecia Copa do Mundo. Aqui no meu bairro (Palermo Viejo), na hora do anúncio do prêmio, foi como se a Argentina tivesse feito um gol. Pedro Almodóvar mal começou a falar "o vencedor é 'O Segre...'" e, antes que terminasse a frase, já foi uma explosão. O esporte é uma das poucas coisas que unificam um povo; as catástrofes também. Mas dificilmente um êxito cultural ou artístico tem essa unanimidade. É muito notório. Estou surpreso.

Você declarou que a vitória havia sido um milagre, por quê?
É exagero dizer que foi milagre, sobretudo para mim, que não sou religioso. Usei o termo de forma metafórica, apenas para dar a exata dimensão do quanto foi importante. Os outros quatro filmes concorrentes eram muito bons, principalmente o alemão ("A Fita Branca") e o israelita ("Ajami"). O peruano ("A Teta Assustada") tem fotografia e arte incríveis, e o francês ("O Profeta") eu revi outro dia com o meu filho e nos causou muito impacto.

Onde estava quando saiu o resultado?
Na minha casa, com a minha família e amigos, em uma reunião informal. Foi muito lindo, um momento muito alegre, parecia o Carnaval do Rio (risos).

Como é trabalhar com o diretor Juan José Campanella, com quem já atuou em duas produções indicadas para o Oscar (além do filme vencedor, "O Filho da Noiva")?
É muito prazeroso. Ele sabe muito de cinema, é um ótimo realizador. Além disso, ama os atores. Isso é uma grande diferença a seu favor. É aberto, aceita opiniões, sugestões. Nós atores somos uma espécie muito frágil em alguns sentidos. Podemos ser muito fortes, às vezes, mas há uma fragilidade inerente ao ator e aos artistas em geral. Atores vivem uma exposição física permanente. É um universo delicado. Saber administrar essa relação é muito importante.

CINEMA LATINO
De que forma vê a produção cinematográfica da América Latina hoje? Com muito bons olhos. Nós, latinos, de alguma forma, temos um pouco menos de pudor, sobretudo para contar algumas histórias. Não nos causa vergonha falar de nossas misérias, dores, incapacidades. É uma zona mais jovem do planeta civilizado e me parece que temos uma valentia quase que adolescente, enquanto em outros lugares do mundo, como na Europa, são mais conservadores nesse sentido. Estamos mais mesclados, todas as classes sociais estão mais misturadas. Então as histórias que surgem são muito reais. "Central do Brasil", de Walter Salles, é um exemplo disso. É um dos melhores filmes que vi na vida.

Tem vontade de trabalhar com algum diretor brasileiro?
Sim! Vou trabalhar com o Walter (Salles) agora, em setembro ou outubro. O filme deve ser rodado na Patagônia, no sul da Argentina. Estão decidindo, buscando locações. Uma parte seria filmada no Chile, onde teve o terremoto. Mas seria imprudente da minha parte falar mais do que isso, pois ainda não há nada concreto. É, contudo, um projeto firme. Walter é uma pessoa maravilhosa. Daquelas que você conhece e, em meia hora, sente como se fosse seu irmão. No primeiro almoço que tivemos, passamos quatro horas chorando de rir, com muita emoção. Encontros como esse não acontecem sempre.

E o cinema argentino?
O país teve uma época gloriosa no cinema, uma época de ouro, nas décadas de 1940 e 1950. Depois decaiu, e agora está se levantando, esse movimento já vem acontecendo há uns dez anos. Mas comparar com a época de ouro seria exagero.

O que acha da onda 3D?
Eu gosto. A gente tem de se acostumar. Creio que, depois disso, só faltaria incorporar os aromas. Imagina uma cena em um bosque? Seria incrível e deve acontecer logo.

O COMEÇO
Você é um dos atores mais conhecidos da Argentina. A partir de quando ganhou expressão internacional?
Eu não sinto isso. Sei que o cinema tem essa particularidade, de nos tornar conhecidos em muitos lugares. Mas não me sinto assim. Sei que conhecem meu trabalho na América Latina, na Espanha, em alguns lugares do Caribe, talvez... Mas creio que o primeiro filme com repercussão no exterior foi "Nove Rainhas" (2000). Depois "O Filho da Noiva" (2001), que viajou muito.

Você é filho de um casal de atores. Como foi sua formação?
Por influência deles, comecei pequeno, antes dos oito anos, fazendo trabalhos na TV e no rádio. Depois fui fazer cinema e, no teatro, ingressei mais tarde, com 18 anos.

Consegue viver somente de cinema hoje?
Sim, mas eu gosto muito de teatro. Não vou renunciar nunca. Entre idas e vindas, estou fazendo a mesma peça ("ART", em cartaz em Buenos Aires) há 12 anos! Televisão eu fiz muito. Cansei as pessoas de tanto aparecer, acho que precisam de um descanso (risos).

VIDA PRIVADA
Você é casado há 20 anos com a produtora Florência Bas. Trabalham juntos?
Somos casados há 22 anos. Por sorte, não trabalhamos na mesma área. Minha mulher é tradutora, de inglês e castelhano, também faz produção e me ajuda em tudo. É a minha assessora de maior confiança.

E seus filhos, vão seguir os passos do pai?
Meu primeiro filho se chama Ricardo, tem 21 anos. Seu nome é uma homenagem ao meu pai, que morreu uma semana antes de ele nascer. Ele é ator e já está trabalhando na televisão, em uma novela. E minha filha Clara tem 16 anos, está terminando o colégio, não sabe ainda direito o que quer fazer, estuda canto, dança. Ela gosta muito de desenhar, desenha roupas, sabe muito de moda.

Como é viver em Buenos Aires? O que vai bem, o que vai mal?
Acho que a cidade vai bem, a prova é que recebemos muitos turistas, do Brasil, da Espanha, dos Estados Unidos. Tem os problemas que todas as cidades do mundo têm, a insegurança. Mas minha sensação é de que as coisas estão melhores do que há cinco anos.

Você se envolve com política?
Sim, isso me interessa. Mas não sou militante de nenhum partido, só estou atento a tudo.

BRASIL X ARGENTINA
Qual seu time? Torço para o River, mas não sou fanático. Estou mais para simpatizante.

O que pensa sobre a rivalidade entre brasileiros e argentinos?
Gosto de rivalidades quando são construtivas. No esporte, eu penso que é necessário, mas não gosto quando se misturam questões sociais e políticas dentro do esporte. Porque aí cai na agressão. A rivalidade boa incentiva o outro a jogar melhor. O perigoso é quando se generaliza. Mas o que seria de uma Copa do Mundo sem um jogo entre Brasil e Argentina? Não digo isso porque sou argentino e você é brasileira. Mas qualquer simpatizante de futebol do mundo espera esse encontro. É um momento único.

Você já visitou o Brasil. Que impressão ficou?
Eu morei no Rio! Aos 20 anos, aluguei um apartamento em Copacabana com quatro amigos. Em princípio, a gente pensava em ficar um mês, na época do Carnaval. Acabamos vivendo três meses lá, com 14 pessoas dentro do apartamento, na rua Duvivier. Foi incrível. Estive duas vezes no Carnaval do Rio. Até saí em um bloco da rua Sá Ferreira. E arranjei uma namorada, que morava em Paquetá e se chamava Sueli, era tão linda...! (risos)

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