São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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IN LOCO

Um restaurante secreto no ateliê de Andy Warhol e Basquiat, em Nova York

por LEDA LETRA, em Nova York

ANDY WARHOL VIROU SUSHI

Restaurante oriental secreto em Manhattan funciona no loft que pertenceu ao ícone da pop art e a seu pupilo, o artista Jean-Michel Basquiat

Os muros grafitados, os portões verticais de alumínio, o ar de abandono e o clima underground da Nova York dos anos 1980 ainda sobrevivem em uma pequena rua na área sul de Manhattan. São poucos os que caminham por ali diariamente e percebem o prédio de dois andares, com fachada creme e portas de vidro. Cenário importante no mundo artístico há duas décadas, o local –que já pertenceu a Andy Warhol e foi habitado por seu pupilo, Jean-Michel Basquiat, entre 1983 e 1988–, hoje cede espaço ao Bohemian, um restaurante que opera com atendimento exclusivo, comandado pelo chef japonês Kiyotaka Shinoki, conhecido como Kiyo.
Na ilha onde ver e ser visto são leis, Kiyo e seu pequeno staff –um ajudante de cozinha, um barman e duas garçonetes– trabalham para manter o local longe de qualquer tipo de publicidade.
A experiência do grupo Play Earth –empresa japonesa cuja proposta é criar estabelecimentos "secretos" pelo mundo– começou com um Bohemian no bairro de Nishiazabu, em Tóquio, e, em 2009, expandiu-se com a inauguração do Bohemian de Nova York.
Na década de 1980, os fundos do andar térreo do prédio onde hoje funciona o restaurante serviram de residência e estúdio para o artista norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), um dos primeiros a levar a arte de rua para as galerias. A morada foi oferecida a ele pelo amigo Andy Warhol (1928-1987), na época, proprietário do imóvel. Foi lá que Basquiat passou os últimos anos de sua vida pintando suas telas, e foi ali também que o artista morreu de overdose em 1988.
O acesso ao pequeno restaurante só é possível após a autorização, por e-mail, do chef Kiyo. O local é definido pelos próprios administradores como um "esconderijo para adultos".
Não são aceitas reservas para o mesmo dia. Tentar entrar no Bohemian de última hora, sem nenhum contato prévio, é tarefa impossível. Para manter a exclusividade, os clientes são orientados a não divulgar o endereço nem o telefone do local.
A primeira visita é marcada por certa dúvida e confusão. Naturalmente não existe placa, e você praticamente tem de adivinhar onde fica o lugar. Será que o restaurante realmente existe? Em meio à ansiedade e curiosidade, é quase natural avançar pelas portas erradas. Mas um grupo de japoneses saindo de uma porta de vidro dá a dica de que ali é o lugar certo.

OSTRAS DE SOBREMESA
Passando pela porta, um cheiro forte invade as narinas. Ao lado direito, um pequeno açougue expõe peças inteiras de carne vermelha. Seguindo pelo corredor de paredes brancas, é possível avistar nos fundos outra entrada. Uma simpática oriental abre a porta e pergunta pelo nome do cliente: essa é a "senha" de acesso.
Enquanto a mesa não fica pronta, é possível aguardar no bar-lounge, coberto por bancos de couro e com uma peça de presunto espanhol pata negra exposta no centro do balcão de granito. O espumante é servido bem gelado, enquanto alguns clientes degustam fondue de vegetais.
Apenas cinco mesas de madeira fazem parte do ambiente, todas elas rodeadas de poltronas estofadas em azul, cinza e em couro preto. Na parede branca, traços grossos de tinta preta desenham o mapa-múndi. No lugar de janelas, uma claraboia. Bonsais em um jardim zen japonês decoram a parede dos fundos.
Ao lado, dois sofás de veludo são ocupados confortavelmente por um grupo de orientais que bebem Veuve Clicquot. São poucos os ocidentais ali. A sensação de conseguir uma mesa no exclusivíssimo restaurante que ocupa o mesmo espaço por onde já passaram Basquiat e Warhol é quase como a de participar de uma seita.
A garçonete indica alguns pratos. Há também um menu-degustação, por US$ 55. Chama a atenção na carta de bebidas uma garrafa de saquê vendida por mais de US$ 500. Ao perceber que a couve-flor que acompanha o sashimi de carne seria deixada de lado, a garçonete orienta, delicadamente: "O legume é plantado em nosso próprio jardim."
O croquete recheado com creme de cogumelos é decorado com uma farta porção de uni (ovas de ouriço do mar) e servido em uma tigela rústica de madeira. O cardápio oferece ainda miniburgers, sashimi, pequenas postas de bacalhau fresco grelhado, risoto de cogumelos com finas fatias de pata negra. Também servem ostras como sobremesa.
Para demonstrar respeito e proximidade com os clientes, as garçonetes chegam a se agachar para explicar os pratos ou pedir desculpas por não servirem café expresso. Em vez da bebida tirada da máquina, há um bule de vidro com um pano, que vai coando lentamente o café fresco.
O som de jazz, risos altos e conversas em japonês dominam o ambiente. Kiyo aparece poucas vezes para cumprimentar os visitantes da noite, dando a impressão de que toda a experiência não passa de um jantar na casa do chef, oferecido para amigos íntimos.

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