São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAPA

PANTERAS NEGRAS

por CAMILA YAHN

Numa temporada de moda em que a cor da pele foi tão discutida quanto as tendências para o próximo verão, Serafina dá o veredicto: nestas páginas, estão as cinco modelos negras mais bonitas do Brasil. Não há apartheid fashion que resista

QUEM E ONDE: Anabela Ferreira, 24, nasceu em São Paulo
FAMÍLIA: “Minha mãe, Abelina Santos, era empregada doméstica, mas agora está aposentada.”
O COMEÇO: “Aos 16 anos, minha irmã me levou a uma agência de modelos. Seis meses depois, fui para Nova York e não voltei mais.”
GOSTO DE SER MODELO PORQUE… “Ganho um bom dinheiro, não vou ser hipócrita.”
A PIOR PARTE: “Mesmo que você esteja no pior dia da sua vida, ainda assim terá de sorrir para o cliente.”
BASTIDORES: “Nunca me esqueço da primeira prova de roupa com [o estilista] Tom Ford. Entrei na sala tremendo, mas ele foi muito gentil. Sem contar o quanto ele é sexy, meu Deus!”
ESPELHO, ESPELHO MEU: “Detesto os meus pés calejados e gosto do meu nariz, meio negro querendo ser branco.”
COTAS PARA MODELOS NEGROS: “Acho positivo e espero que sirva de incentivo para outras profissões.”
Anabela é modelo da agência Way Model.

QUEM E ONDE: Janaína Santos, 18, nasceu em Florianópolis (SC)
FAMÍLIA: “Minha mãe, Marli, é cozinheira de uma família há mais de 25 anos; meu pai, Roberto Santos, é serralheiro.”
O COMEÇO: “Participei do concurso Supermodel, fiquei entre as cinco finalistas do meu Estado e entre as 15 finalistas do Brasil.”
O QUE APRENDEU COM A PROFISSÃO? “Rapidamente percebi que não era só um estado de glamour. Antes eu achava que tudo era maravilhoso, que não existia esse sufoco de ficar longe da família, de ter uma alimentação desregulada e andar com sapatos apertados.”
NEGROS NO PODER: “Com a eleição do Obama, acho que outros negros vão aparecer em grandes cargos. Eles se escondem muito por causa do preconceito, têm medo de mostrar que são tão bons quanto os brancos. Temos que vencer esses obstáculos.”
ESPELHO, ESPELHO MEU: “Detesto os meus pés. São cheio de machucadinhos por conta dos sapatos que tenho de usar diariamente. De resto, gosto de tudo, principalmente dos olhos, do sorriso e das pernas.”
COTAS PARA MODELOS NEGROS: “Por um lado, acho uma besteira. As marcas têm que dar oportunidade pelo nosso potencial e não pela nossa cor. Mas, como isso não acontece, acho que as cotas vão obrigar as pessoas a perceberem que podemos trabalhar tão bem quanto os brancos.”
Janaína é modelo da agência Ford

QUEM E ONDE: Lays Silva, 21, nasceu no Rio de Janeiro
FAMÍLIA: “Minha mãe, Rosemary, era babá. Meu pai, Ely, tem uma barraca na praia de Ipanema.”
O COMEÇO: “Participei do concurso de modelos da Ford, venci a etapa carioca em 2001 e peguei o segundo lugar na etapa brasileira.”
SOFRE PRECONCEITO? “No Brasil, não. Na Alemanha, é mais pesado. Trabalho bastante lá, mas sinto a discriminação. Não é um lugar onde eu me sinta à vontade.”
O QUE APRENDEU COM A PROFISSÃO? “A ser paciente. Sou obrigada a lidar com pessoas difíceis e com egos inflados.”
QUAL O SEU SONHO COMO MODELO? “Não tenho vontade de ser famosa, atriz ou apresentadora de TV. Quero é ser rica.”
ESPELHO, ESPELHO MEU: “Não gosto do meu nariz batatinha. E também tenho ódio dos meus pés, número 40. Adoro a minha boca e os meus olhos.”
CORPO DE FORA: “Só desfilo de biquíni. Tenho curvas demais, cintura, peito, quadril. No começo chorava, mas depois me acostumei e hoje adoro. Muitos estilistas querem que a menina ande como um homenzinho. Nunca vou fazer isso. Eu ando rebolando. E, se me chamam para fazer biquíni, é porque estou com o corpo em cima.”
COTAS PARA MODELOS NEGROS: “Quando fiquei sabendo, achei engraçado. É para a gente ver como ainda existe preconceito. Alguém tem que criar uma lei para podermos trabalhar. O lado bom é que vai obrigar o mercado a olhar para nós.”
Lays é modelo da agência Ford

QUEM E ONDE: Gracie Carvalho, 18, Campinas (interior de SP )
FAMÍLIA: “Minha mãe, Maria Helena, é cozinheira; meu pai, José Francisco, é mestre de obras.”
O COMEÇO: “Eu tinha 15 anos e participei de um concurso em São José dos Campos. Lá, conheci um modelo que me encaminhou para uma agência e logo comecei a trabalhar.”
TRABALHOS MAIS IMPORTANTES: “Um comercial de TV para a Victoria’s Secret. Era um sonho e eu já realizei. Também fiz uma campanha da Gap e uma da Donna Karan Jeans.”
JÁ CONSEGUE SE MANTER COM SEU TRABALHO? “Sim. E também ajudo minha família. Agora estou reformando a casa da minha mãe. Como as coisas são caras… Eu falo: ‘Mãe, como a senhora faria se eu não pudesse ajudar?’”
GATA BORRALHEIRA: “Aprendi a ser independente e a dar valor às coisas, porque a gente rala bastante. Mas, às vezes, quero fugir desse mundo, voltar para a minha casa e varrer o chão.”
SONHO EM TRABALHAR COM… “A Miuccia Prada.”
ESPELHO, ESPELHO MEU: “Não gosto dos meus pés, que ganham calos muito rápido. Agora, as minhas covinhas, eu adoro.”
COTAS PARA MODELOS NEGROS: “Agora que existe, acho que é uma oportunidade. Mas é chato você desfilar só porque há essa necessidade dos 10% de negros no casting. Estar lá por uma obrigação da marca não é legal.”
Gracie é modelo da agência Way Model

QUEM E ONDE: Samira Carvalho, 20, nasceu em Piracicaba (interior de SP)
FAMÍLIA: “Minha mãe, Divina, é dona de casa, e meu pai, José Luis, trabalha como gerente de loja de automóveis.“
O COMEÇO: “Participei de um concurso da revista “Raça”, venci e apareci na capa. Tinha 14 anos e decidi vir para São Paulo tentar a carreira de modelo.”
PASSAPORTE: “Já passei por Tóquio, Paris, Barcelona, Londres, Milão, Los Angeles.”
DIPLOMA: “Parei no segundo colegial, mas vou voltar. Quero fazer gastronomia, adoro cozinhar. Gosto de pegar tudo o que tem na geladeira e inventar um prato.”
SOFRE PRECONCEITO? “Nunca senti algo direto, mas acontece. Quando eu percebo uma situação desagradável, tomo distância. Não fico me martirizando.”
MULHER QUE ADMIRA: “Minha mãe. Ela é muito calma, não se desespera por nada e me passa essa tranquilidade.”
ESPELHO, ESPELHO MEU: “Não gosto da minha barriga e adoro o meu bumbum!”
VAIDADE: “Cuido muito do meu cabelo. Faço hidratação duas vezes por semana, corto a cada dois meses e faço trancinhas toda noite antes de dormir.”
COTAS PARA MODELOS NEGROS: “Acho válido pela inclusão que pode proporcionar.”
Samira é modelo da agência Ford

UMA VERDADE INCONVENIENTE

por JONI ANDERSON

Uau! Quem vê a longeva Naomi Campbell, ouve a história de ?Anabela, a garota que saiu da favela para virar “Gucci girl”, ou lê sobre Emanuela de Paula, a negra pernambucana que é hoje a 11a modelo mais bem paga do planeta, tem certeza de que o mundo da moda é unânime ao aprovar a diversidade. E que o “black is beautiful” se estabeleceu como verdade absoluta. Quanto engano! Por isso não achei de todo ruim a estapafúrdia declaração de uma estilista ao comentar as cotas para modelos negros na São Paulo Fashion Week: “Eles não são meu público... Já costuram, pra quê mais?”.

Como jornalista e stylist, já ouvi, pasmo, pérolas bem piores: ”No mundo inteiro é assim, modelos negros são sempre em número menor”; “geralmente não têm pele boa, vêm de classes sociais mais baixas”; “para as coleções de verão servem, mas para as de inverno...”.

A questão racial não é nada simples, sabemos todos. Não adianta, por força do poder público, colocar um modelo negro como exótico ou carnavalesco num fashion show. Que benefício social isso gera?

A recomendação do Ministério Público (que pelo TAC –Termo de Aditamento de Conduta– determinou 10% de negros, afrodescendentes ou indígenas em cada desfile na SPFW) é um aviso de que algo continua fora da ordem. Mas é bom lembrar que já houve outras tentativas de inclusão dos negros no mundo fashion.

Nas passarelas, 2002 e 2003 foram anos favoráveis à questão. Lembro-me do desfile da Cavalera, com casting negro e o ícone Tony Tornado no final. A Poko Pano também arrasou com 95% de modelos negros. Ronaldo Fraga já comoveu; André Lima gosta da mistura étnica; Mario Queiroz é amigaço. Teve mais: o desfile da 4P no Amni Hot Spot e, no cenário internacional, iniciativas como a “black issue”, da “Vogue” italiana, uma edição inteira com mulheres negras lançada no ano passado, são luxos também!

Eu mesmo, há 11 anos, em parceria com uma equipe de profissionais talentosos, elaborei um catálogo de moda e informação black para comemorar os dez anos da ONG Geledés, em 1998. Depois, montamos a Noir, agência pioneira na capacitação de modelos negros. Então organizamos o Apagão Fashion - por Mais Modelos Negros na Moda, que aconteceu na SPFW em julho de 2001 e foi a primeira manifestação do tipo. Alguns modelos até conseguiram pisar a passarela da SPFW. Mas a engrenagem em si não mudou.

Infelizmente, o que poderia servir como autocrítica positiva foi varrida para debaixo do tapete fashion. A Noir não existe mais. Vi muitos talentos promissores desistirem por falta de oportunidade.

Apesar de essa ser uma questão inexorável, que vai me acompanhar pelo resto dos dias, confesso que também cansei. Escolhi outras áreas agora. Para as novas gerações, que chegam ao competitivo mercado da moda, no momento existe um aviso, o TAC –uma vantangem e um alento! Em breve, se nada mudar, poderá existir também a lei. E mais desafios.

Joni Anderson, 38, é jornalista e um dos pioneiros em iniciativas para a inclusão dos negros na moda.



Texto Anterior: TERETETÉ Um nome para se guardar: Aldren Ehrenreich
Próximo Texto: EDITORIAL Riqueza nacional
Índice


Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.