São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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ENTREVISTA

Arquivo confidencial

por ANA RIBEIRO

A empresária e crítica Costanza Pascolato conta sua vida e seus segredos de moda e estilo em novo livro

A empresária, consultora e crítica de moda Costanza Pascolato, 70 anos em setembro, abriu seu baú de recordações e, com sua verve culta e espirituosa, escreveu o livro “Confidencial – Segredos de Moda, Estilo e Bem Viver”, que a editora Jaboticaba lança no próximo dia 6. São 233 páginas em que trata também de disciplina, paixão, viagens, vaidade, “musculação espiritual” e sua considerável vocação para ser feliz.

Ela conta da infância na Itália, a vida em família e a chegada ao Brasil com os pais e o irmão, em 1945. Então, vêm os capítulos “Estilo”, “Elegância”, “Moda”, “Corpo e Saúde”, “Disciplina e Liberdade”, “Identidade, Beleza, Idade”, “Simplicidade é uma Arte”, “Coisas da Alma”, “Paixão e Romance”,“Viajar para Aprender” e “De volta para Casa”. Serafina leu antes e conversou com Costanza em seu apartamento em Higienópolis.

Por que este livro?

A idéia não foi minha, eu tenho pudor incrível dessas coisas. Minha filha caçula, Alessandra (sócia da editora Jaboticaba), já queria ter feito três anos atrás. Como sempre, tive sorte, e o livro sai agora, em bom momento. Mesmo já tendo passado o choque da crise, é hora de reavaliar valores, de analisar como a gente enxerga a moda e sobretudo como a gente se enxerga. Eu pratico musculação espiritual para me reavaliar, olhar o mundo à minha volta e me colocar nele a cada instante. Você não é o seu pensamento, você vive aqui e agora. Tem de estar concentrada neste momento.

Qual é a sua memória mais antiga relacionada à moda?

Minha mãe conta que eu tinha três anos e já chorava quando a costureira me desagradava com o comprimento das minhas roupas. Eu era bem pequena e já tinha opinião, disso eu gostava, daquilo não. Na verdade, não sou muito brilhante e nem muito nada, mas tenho olho, sei observar as coisas com olhar apurado.

Você diz no livro que viver uma paixão é uma experiência imprescindível. Por quê?

Não sei se todo mundo tem estrutura para aguentar uma verdadeira paixão, eu sempre fui mais corajosa. Desde o começo, eu me esforcei para fazer o contrário do que me diziam. Procurava ler o que não devia, fazer o que não podia. Não era aprovada dentro da família, mas tinha a sensação de estar vivendo as experiências necessárias para um ser humano ficar interessante. Nunca tive muito limite. E às vezes, por causa de uma paixão, você transgride regras de comportamento e acaba prejudicando algumas pessoas para conseguir estar com a outra.

Sua rebeldia teve influência na sua trajetória na moda?

Muita. Minha carreira começou não tão cedo assim. Eu tinha 35 anos quando me separei para viver com o Giulio (Giulio Cattaneo della Volta, seu marido de 1975 a 1990), a família foi radicalmente contra e me deserdou. Comecei como simples produtora na editora Abril e passei a viver num mundo de fotógrafos, estúdio, imagens. Além de bonita, eu era uma espécie de dondoca moderna, diferente do grupo.

Comecei a ser muito fotografada e me via trabalhando, totalmente absorta no trabalho, e me descobri de outro jeito. Vi pelas fotos que algumas coisas em terceira dimensão não funcionavam tão bem. A imagem da pessoa tem 360 graus e nem tudo se vê no espelho. Por isso, sugiro no livro que a pessoa seja fotografada e se observe de todos os ângulos. É duro, mesmo as mais bonitas sempre vão achar algum defeito. Mas tem de ter coragem de se ver. É se conhecendo melhor que você acaba se gostando mais.

Elegância se aprende?

Você pode aprender muito, claro. Não para ser uma das dez mais elegantes, mas para estar colocada no lugar certo dentro do seu grupo, do seu tempo e ter a cara do que você representa na sociedade. Elegância é a coerência, o equilíbrio entre o que você é e o que você parece ser. Bem vestida é uma coisa, elegante é outra.

Você conta no livro que nasceu muito feia.

Minha mãe me achou horrorosa ao nascer. Tenho um lado da cabeça maior do que o outro e parece que nasci com pelos no nariz e na orelha. No resto da vida, fui considerada uma mulher bonita, linda, mas sempre tive um pé atrás, não sabia se era verdade ou não. O que é legal, porque se você se acha, aí dançou. Agora, que estou com 70 anos, não sou feia, mas sou pálido reflexo do que eu fui, não me sinto tão infeliz. Tem mulheres lindas que quando perdem o viço ficam para se matar, para se cortar os pulsos, eu não. Eu acho que é lucro. Ainda sobrou uma coisa que é legal, oba! Vamos cuidar do que ainda funciona.

Você diz que a moda derrubou seus preconceitos. Mas, ao menos visto de fora, o mundo da moda parece uma panela em que só entra quem tem a senha. Isso não é preconceito?

Minha escolha foi a moda, não o mundo da moda. A moda como veículo, como olhar. O mundo da moda até hoje não me interessa a mínima, essa mixaria de espírito que a gente acaba adquirindo por causa das frescurinhas, para fazer parte da panela. O mundo da moda só me interessa à medida que gosto de conversar com pessoas com a percepção tão aguda quanto a minha e que veem as coisas de outro jeito, para trocar ideias. Não quer dizer que eu seja conivente com o mundo da moda.

Você nunca sai de casa meio desarrumadinha?

Sou incapaz de sair mal vestida, é impossível. Porém, sou a pessoa mais mal vestida para dormir. O contraste é espantoso. É tudo velho, esculhambadinho, sempre muito para o masculino. Mas não saio nem do banheiro desse jeito. Quando a moça vem trazer o meu café, já me vê bonitinha, com um roupão lindo.

Repetir roupa pode?

Se a roupa deu certo, não repetir é um desperdício. Grace Kelly, que se vestia com a estilista americana Edith Head, que inspirou aquela crítica de moda que confundiram com a Regina Guerreiro no desenho “Os Incríveis”, repetiu um vestido de noite usado no Oscar em festa em, se não me engano, Paris. Todo mundo criticou na época, porque eram caipiras. A roupa era linda, ela ficava divina, era outro lugar, por que não repetir? Acho coisa de novo rico essa regra de não repetir roupa. O novo rico pode adotar essa regra, agora para nós, normais, está tudo bem repetir.

Você já teve relação com um estilista como Audrey Hepburn com Hubert de Givenchy?

Adoraria, mas não aconteceu muito. Talvez um pouquinho com o Reinaldo Lourenço, no começo dos anos 90. Quando morreu o Giulio, fiquei desesperada durante três anos. De repente, no fim desse ciclo, tive detectado um câncer. Em 1995, eu tinha passado por uma fase cruel com a doença, estava menos segura, precisava de um incentivo. Alguém que eu respeitasse e que me tirasse daquela coisa de usar preto, que já é uma tendência, mas na época precisava sair daquilo. O Reinaldo me ajudou bastante.

As divas do cinema eram os ícones da moda. E agora?

Não sei se elegantes, mas super bem vestidas, as editoras das revistas de moda viraram novos ícones por causa dos blogs de moda. Carine Roitfeld (editora-chefe da “Vogue” francesa), por exemplo. Não vou falar Anna Wintour (editora-chefe da “Vogue” America) porque, ela que me perdoe, se veste mal. Acho-a sem graça, sem “feeling”. É sempre aquela botinha, aquela sandalhinha “nude”, aquelas sainhas plissadas. Fora que ela não sente frio nunca. Tem uma historinha rolando de que o pessoal do mundo da moda é mal-humorado e mau caráter porque tem de aguentar saltos estratosféricos e passar frio o dia todo.



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