São Paulo, Domingo, 29 de Janeiro de 2012

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FINO

música de vento

por Isabelle Moreira Lima, de Chicago

O músico norte-americano Andrew Bird usa um instrumento incomum para fazer seu pop experimental: o assobio

Ele assobia como um passarinho. O tempo todo. Só para quando dorme, come ou fala. Ouvia a avó fazer sons com a boca e ficava fascinado. Aos cinco anos, aprendeu como imitar. Hoje, aos 38, produz incríveis vibratos e crescendos com o ar que passa pelos lábios.
Andrew Bird também canta, compõe e toca violino. Extrai sons e texturas com o arco e com os dedos, transformando o instrumento em cavaquinho. No palco, usa um pedal para gravar as frases, que são repetidas em loop, umas sobre as outras, até que ele, sozinho, quase vira uma orquestra.
Conheceu o violino antes do assobio, aos quatro anos, e começou a tocar música clássica de ouvido -para ele, naquela época, não havia diferença entre as melodias de sinfonias e as da música folk americana. "Era como uma tradição oral." Depois foi estudar o instrumento e se formou violinista pela universidade Northwestern, em Illinois.
Do clássico pulou para o jazz do começo do século 20 e daí para a música cigana, o folk e a música americana do sul. Aos 26, conta, começou a escrever música que não pertencia a nenhum desses grupos.
E desde então não parou. "Simplesmente uno todas as minhas experiências e todas as minhas curiosidades e coloco em uma canção. Faço um pop experimental."
Toca violão, guitarra e um instrumento de percussão chamado metalofone, mas é principalmente um compositor. Acorda e começa a pensar em música. Vem uma melodia e gruda na cabeça. E ele não é de deixar que elas fujam. Se tem o violino à mão, toca, grava e ouve em loop. Se há tarefas domésticas a fazer, o assobio resolve. "O desafio é fazer a composição virar parte do dia a dia. É aí que acontecem as melhores coisas e as mais naturais também, quando você não se esforça muito", diz.

Quebre você mesmo
Andrew Bird vai lançar seu 11º álbum, "Break It Yourself", em março. Segundo ele, que prefere as apresentações ao vivo às gravações de estúdio, esse trabalho é fiel à performance. "O álbum ficou suculento. Tem energia e improvisação."
O músico diz que não gosta de gravar porque fica "bem louco" com todas as opções que tem no momento da produção. Desta vez, não se deu tais opções: trancou-se com sua banda no celeiro da fazenda da família, em Illinois, e tocou exaustivamente cada uma das faixas. O resultado é um trabalho mais direto, canções mais pessoais. "Em algumas, há solos selvagens. Isso é algo muito raro na música indie de hoje. Não há improviso no rock desde Jimi Hendrix."
O novo álbum representa uma fase mais madura da carreira de Andrew Bird, iniciada com seu trabalho anterior, "Noble Beast" (2009), que mostrou em shows pelos Estados Unidos e pela Europa. As apresentações são parte importante desse novo momento, pois é nelas que acontece uma espécie de "recomposição" das músicas. Bird é obcecado por improvisos, cada show é único. "Sou inquieto e gosto de tentar capturar o momento de concepção da ideia em cada show. Não sigo um script quando toco."
O gosto pela experimentação o levou a outras formas de arte. Em dezembro, apresentou a instalação "Sonic Arboretum" (algo como "viveiro sônico"), em que dispôs alto-falantes artesanais, que lembravam gramofones, no saguão do Museu de Arte Contemporânea de Chicago. Cada um deles tocando frases melódicas diferentes em repetição constante. A mostra, que também passou pelo Guggenheim de Nova York, contou com shows em que ele usou o violino, o loop e, claro, muito improviso.
"Procuro me lançar ao máximo e tentar coisas novas."
De tanto "se lançar", Bird ficou doente por quase um ano. Esse capítulo de sua história está em "Fever Year", documentário lançado no último New York Film Festival. O filme o segue na reta final de 2009, ano em que se apresentou mais de 200 vezes, com uma gripe que se alastrou e provocou muita, muita febre.
Segundo Jeremy Ylvisaker, guitarrista que o acompanha no filme, "Andrew passou o ano inteiro tremendo".
Tremendo e assobiando.


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