São Paulo, Domingo, 29 de Janeiro de 2012

Próximo Texto | Índice

CONTOS CARIOCAS

Rio: Cidade Estado de Espírito

por Antonia Pellegrino

Grupo leva arte para a praia e celebra desorganização carioca

Desde o Réveillon, foi fincada nas areias da praia do Arpoador a bandeira de um novo território: "Rio: Cidade Estado de Espírito". "Sem de Janeiro, que é para o resto", brinca Marcus Wagner, um dos idealizadores do delírio, com o artista plástico Ernesto Neto e o galerista Marcio Botner.
A fundação teve origem há 14 anos, quando essa turma resolveu pegar praia no Posto 9 e assar carne às sextas. O encontro foi virando uma instituição e por que não fazê-lo no dia 31 de dezembro? O churrasco se tornaria a festa mais divertida de toda a orla Ipanema-Leblon. A notícia correu e o "Réveillon do Neto" inchou. Em 2005, a prefeitura decidiu fazer uma festa no mesmo local. Resultado: eles migraram para a faixa estreita de areia do Arpoador, e todo mundo foi atrás.
O batismo do território simbólico veio de uma crônica de Vinicius de Moraes, em que o poeta escreve: "Ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa em meio à sua adorável desorganização". É este olhar generoso, atento ao valor do caos, que os cidadãos da "Cidade Estado de Espírito" compartilham.
Os habitantes do sítio poético têm passaporte, moeda própria -chamada tupi, cujas notas, que homenageiam artistas como Lygia Pape, são vendidas para colecionadores como forma de viabilizar os encontros artísticos- e brasão com golfinhos (animais que só nadam em águas limpas).
Para esses cariocas, a praia não deve ser pensada apenas como lugar de esporte e lazer, mas também de cultura. Daí nasceu o Alalaô, evento congregatório-celebrativo, que, em suas três edições, levou artistas como Ronald Duarte a fazer performances nas areias. A festa deu tão certo que singrou o Atlântico, desembarcando em Miami durante a última edição da feira Art Basel.
"A festa é o nosso manifesto", defende o primeiro-ministro do novo território. "O Marcus Wagner é um antropólogo em ação. Conhece e pensa a cidade como poucas pessoas", diz o ensaísta Francisco Bosco. "E o Neto é um artista pensador, para quem o Brasil não pode e nem deve ser uma Europa de segunda classe. Eles têm um modelo de cidade muito mais interessante do que o proposto pela prefeitura no choque de ordem. É o Rio deles que o mundo deseja, mas o governo insiste em coibir".
Em pauta nas areias da "Cidade Estado de Espírito" está a discussão sobre os royalties do petróleo. Mas, para esses cariocas, o foco é o impacto ambiental.
"O Rio tem uma natureza que não existe em lugar nenhum do mundo. É o cartão-postal do Brasil. Com uma tecnologia tão experimental de perfuração no pré-sal, a possibilidade de desastres ecológicos não é remota. Nós pensamos que a contrapartida do petróleo deveria ser o desenvolvimento do Rio de Janeiro como um modelo em uso de energia limpa para o mundo", diz Neto. Outros cariocas, de fato ou de espírito, esperam que a prefeitura lhes dê ouvidos.


Texto anterior: FINO Andrew Bird. O músico canta, compõe e toca vários instrumentos, mas prefere assobiar Isabelle Moreira Lima.
Próximo Texto: MODA Já Colou. Os destaques da coleção de inverno da SPFW nas paredes da cidade, por Vivian Whiteman.



Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.