São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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15 MINUTOS

Conversa reversa

por BETE COELHO

Com o monólogo "O Homem da Tarja Preta", em cartaz em São Paulo, o psicanalista italiano Contardo Calligaris, 60, colunista da Folha, faz sua estreia como autor de teatro. O espetáculo, dirigido pela atriz Bete Coelho, 44, questiona a sexualidade e a identidade masculinas. A pedido de Serafina, a atriz, com ajuda da equipe da peça, sabatinou o novo dramaturgo.

Você prefere segredos da alcova ou do divã?
(Risos) Você... prefere quais?

O entrevistado é você.
É verdade, mas a especialidade do psicanalista é devolver a pergunta. Tudo bem, vou preferir os segredos do divã porque eles, geralmente, incluem os segredos da alcova.

O que te levou a escrever para o teatro?
Primeiro, uma paixão que começou cedo, aos 17 ou 18 anos, quando consegui me insinuar nos ensaios de "Jardim das Cerejeiras", de ?Strehler, no Piccolo Teatro em Milão. E outras três experiências me tocaram: "Orlando Furioso", de ?Luca Ronconi; quando Peter Brook levou para Milão "Sonho de uma Noite de Meio-Verão"; e "Os Sertões", de Zé Celso. Fora isso, frequento teatro o tempo inteiro. Importa-me escrever algo que justifique o teatro, que possa produzir uma experiência diferente da de um filme ou de um romance. Só não sei se consegui.

De que maneira uma coisa só é possível no teatro?
Para [o crítico francês, 1915- 1980] Roland Barthes, o essencial no teatro é a presença real e física do ator. No teatro, você tem uma relação com o corpo do ator que é...

Erótica?
É. Erótica, no melhor sentido. A gente vive a experiência teatral com uma proximidade que torna algumas pessoas absolutamente fóbicas. Não é por acaso que eu posso assistir a um filme de que não estou gostando sem problema nenhum; enquanto numa peça de que não gosto a dificuldade é enorme. É um mal- estar físico, porque estou envolvido física e eroticamente.

Que trecho da nossa peça poderia ter saído da boca do Contardo homem e não do Contardo escritor?
Há uma coisa, na peça, que é autobiográfica, a história da Marizelda [empregada doméstica com quem Contardo teve sua iniciação sexual]. Mas não é só isso: enquanto atriz, você, Bete, já foi, em cena, um grande número de mulheres e homens. Eles entraram no seu repertório não só teatral, mas humano. Eu poderia dizer o mesmo das personagens literárias que encontrei desde a minha infância, e dos pacientes que escutei durante 33 anos de clínica. O patrimônio de experiência humana que cada um deles traz consigo me enriquece, me diversifica.

O que é traição?
A maior traição é a do nosso próprio desejo. O pior não é trair o outro, é SE trair, desistir do que a gente deseja. Desse ponto de vista, a traição que acontece entre um casal é fichinha.

Mas, no caso de um casal romântico, qual é a diferença entre traição sexual e traição amorosa, e entre traição virtual e real?
Entre virtual e real acho que não tem nenhuma diferença; sinto muito pelas pessoas que acham que não é traição ficar brincando na internet em vez de ir para a cama. Considerando que a traição sentimental é simplesmente se apaixonar por outra pessoa, então, a princípio, ela é o fim do casal. Na lógica do casal moderno, que se organiza a partir do amor, se amo outra pessoa, acabou. O personagem da peça diz: tudo bem minha mulher transar com quem for, contanto que isso faça parte das nossas fantasias. Mas, se ela tiver relação com alguém e não trouxer essa aventura para a nossa conversa na cama, não vou aguentar.

Traição é falta de cumplicidade?
Sim. Sou bastante solidário com o protagonista da peça por uma razão que muitos vão achar patológica: sou quase totalmente impermeá-vel ao ciúme. É um sentimento que, aliás (e isso constitui uma dificuldade no meu exercício clínico), eu não entendo. Sei lá, se minha mulher estivesse viajando e me ligasse: "Estou aqui no hotel e encontrei alguém, transamos a noite inteira", eu, a princípio, diria: "Que legal!"

Você consegue dizer simplesmente "eu te amo!"?
Sim, claro.

Frequentemente?
Sim, acho que não existe mulher com que eu tenha tido uma história relevante para quem eu não tenha dito isso, várias vezes, porque era verdade.

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Falo várias línguas e procuro uma mulher que fale uma língua que ainda não conheço. É imperativo gostar de ler jornal e tomar cappuccino na cama no domingo e, se possível, nos outros dias da semana. Gosto de natureza, mas à distância. Se você não gosta de grandes cidades nem me escreva. Fora isso, também é imperativo gostar de teatro, cinema e literatura (pode ser teatro de bulevar, best-seller e Hollywood). Detesto esnobismo, sobretudo intelectual. No mais, acho que a vida sexual se inventa a dois, cada vez de uma maneira diferente. Sou estritamente monogâmico, de monogamias sucessivas. Tudo isso para ser lido com senso de humor. Contato por e-mail.

Quer namorar comigo?
Mas fazer essa peça juntos já não é um namoro?


Colaboraram Ricardo Bittencourt e Flávia Soares, ator e cenógrafa de "O Homem da Tarja Preta", em cartaz no teatro Eva Herz, em SP, até 12/6.


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