São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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DESENHO

Um mestre à sombra

por FLAVIO LOBO

LONGE DOS RELUZENTES HOLOFOTES DO DESIGN ATUAL, O JAPONÊS MORITO TRABALHA PEÇAS DE MADEIRA EM SILÊNCIO, INSPIRANDO PROFISSIONAIS DA NOVA GERAÇÃO

Anfitrião simpático, com sotaque carregado e café fresco no bule, Morito Ebine conduz as visitas, repórter e fotógrafo, a um galpão onde a luz da tarde ilumina bancadas, ferramentas, serragem e uma infinidade de objetos de madeira pendurados nas vigas de sustentação do telhado. "Aquelas peças são guias", esclarece Morito, que chega a fazer mais de vinte gabaritos para a fabricação de uma cadeira, e guarda todos ali, suspensos.

Não é preciso ser amante da marcenaria para entrar no ateliê e esquecer as duas horas passadas na estrada desde São Paulo. Distância que não impediu a arquiteta e designer de móveis Julia Krantz de repetir a viagem praticamente toda segunda-feira, por quase dois anos, para aprender com Morito.

"Ele é uma espécie de mestre zen da madeira", defi ne Julia. "É preciso muita coragem e integridade para nadar contra a maré do descartável e do superfi cial como ele faz. Desde que o conheci, há dois anos, ele mudou a minha vida. Antes eu queria que a madeira se adaptasse aos meus projetos, agora faço projetos para a madeira." A única característica que as pessoas esperam de um mestre e não encontram em Morito, segundo Julia, é a idade avançada.

Nascido há 41 anos em Tochigi, 130 km ao norte de Tóquio, ele descende de uma linhagem de alfaiates, e viu o negócio da família definhar à medida que aumentava o domínio da indústria do vestuário. Bom de matemática, cogitou a carreira de cientista, mas acabou optando pela marcenaria e design de móveis. No Japão, conta Morito, essas duas atividades integram um só ofício. No mesmo curso, ele aprendeu desde as técnicas básicas do trabalho com madeira até a utilização de softwares para projetar as peças.

Em 1995, mudou-se para o Brasil, já casado com Rosana, uma brasileira descendente de japoneses. Logo descobriu que as facetas complementares de seu trabalho em geral são vistas pelos brasileiros como ramos separados. "Fui ao apartamento de um cliente para ver o lugar onde fi caria o móvel que ele tinha encomendado. Estava indo pela entrada principal, mas, quando falei que era marceneiro, o porteiro me disse para subir pela de serviço."

O choque de culturas evidenciado pelo episódio da portaria não surpreende outro admirador de Morito. "A tecnologia e o artesanato tradicionais são o espírito de um povo", defi ne o artista plástico Rubens Matuck. "No Brasil, nós não ligamos para isso, mas ele, que teve a sorte de nascer num país que valoriza essas coisas, tem uma formação de altíssima qualidade", avalia Rubens, que, além de desenhista e pintor, é escultor de madeira e estudioso da marcenaria.

RECLUSO

Designer que também já foi encaminhado ao elevador de serviço por preferir se apresentar como marceneiro, Fernando Mendes de Almeida é mais um integrante do seleto grupo dos que conhecem o trabalho de Morito e identifi cam seu valor. No lançamento da exposição da última edição do Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em dezembro, Fernando, que ganhou o principal prêmio do evento -o mais importante do design brasileiro-, referia-se ao colega de profi ssão como a um mestre.

"O trabalho do Morito tem uma profundidade incrível, e o ateliê dele é um sonho para quem gosta de marcenaria... Só que é meio difícil de chegar."

Com linhas elegantes e sinuosas, encaixes e acabamento impecáveis, adequação entre matéria-prima, forma e função, seus móveis dão testemunho da integração de saberes que ele quer preservar.


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