São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012

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CAPA

CANTE, CANTE, CANTE

por Marcus Preto

Do camelô de São Paulo à livraria da elite, entenda como funciona a geração que faz, hoje, sem apoio de gravadoras, a nova música popular brasileira

“O disco da Tulipa já vendeu mais do que os últimos de Caetano e Gil. O do Criolo quase supera o da Madonna.”

As contas são de João Paulo da Silva Bueno, coordenador da categoria de música da Livraria Cultura. Responsável pelas compras de CDs, vinis e DVDs musicais da rede de lojas, frequentada pela classe média e alta paulistana, não pode falar em números. Mas reitera que esses músicos e outros, como Karina Buhr e Céu, vivem no top 10 da loja. Discos deles não faltam nas gôndolas, são procurados quase todo dia. “A gente ouve muito o que o cliente pede. E vamos atrás. Aconteceu com Thiago Pethit, Romulo Fróes, Bixiga 70, Gui Amabis e até Criolo e Tulipa.”

FAMOSO QUEM?

“Tulipa? É banda internacional? Acho que não tem não. Mas tem seleção de música black: o que não falta é crioulo”, diz Wanderley dos Santos, dono de uma banca de CDs piratas na rua Barão de Itapetininga.

Apesar desse mercado estar dominado por vídeos pornô, Wanderley ainda vende CDs. E, explica, agora o que sai não são os álbuns completos, mas coletâneas em MP3 do tipo “150 Sucessos de...”.

“O brasileiro que vende mais é esse da Marisa Monte”, ele aponta para um “50 Hits – Incluindo a Música da [novela] ‘Avenida Brasil’”. “Zé Ramalho e Roberto Carlos sempre têm saída, nem precisa tocar na novela.”

A reportagem mostrou ao camelô uma lista com outros nomes apontados como bons vendedores pela Livraria Cultura.

“Não tenho nada disso.”

Os tempos são contraditórios para quem faz a nova música do Brasil. Um artista pode “acontecer” –fazer música e viver dela– mesmo que ninguém fora de seu segmento se dê conta da existência dele.

“Em vez de ‘música de massa’, definitiva e industrial, hoje temos a ‘música da maioria’, em que o ouvinte comum pode se inserir em muitos momentos –mas já não mais em todos eles, como antes. Esta é a diferença: a maioria é flutuante e volátil e não mais um território dominado”, diz Pena Schmidt, ex-executivo e produtor de gravadoras multinacionais que atualmente comanda a programação de shows do Auditório Ibirapuera.

“Na cultura de massa, só há lugar para o vencedor”, afirma. E filosofa: “É pirante para quem acredita em marketing como antigamente, ‘satisfazer os desejos do consumidor’. Agora, somos público e artistas, uma velha amizade colorida”.

A transformação começou no início dos anos 2000. As facilidades de gravar um disco “em casa” aumentavam na mesma velocidade em que o poder de fogo da indústria fonográfica caía. Na impossibilidade de construir uma carreira autoral nas gravadoras, artistas saíram em busca de inventar os próprios métodos.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Muitas reportagens foram feitas sobre esse caminhar –todas apontando a lógica cooperativa dos músicos envolvidos. Identificou-se uma conjunção de artistas que compartilhava mão de obra em gravações, que tocava junto –mesmo que seus trabalhos não tivessem qualquer semelhança estética.

“É difícil criar uma categoria para esses artistas. Alguém vai sempre reclamar de nomeações como ‘a cena’ ou ‘a geração’”, diz Alexandre Youssef, dono do Studio SP, onde todos os nomes destas páginas já se apresentaram. “A preocupação principal é criar público. Só isso possibilita que possam viver da arte. Antes deles, isso era inédito no Brasil.”

Segundo Youssef, até o final de 2005, os shows desses artistas eram frequentados pela própria turma, a plateia dificilmente passava de 30 gatos pingados. O público começou a descobri-los no ano seguinte.

“Eles criaram uma lógica, fazendo shows próprios ou discotecando nos dos outros e, no fim do mês, pagam as contas. Alguns vivem só dos shows. Mas tem gente que ainda nem entendeu o processo”, diz. “Por outro lado, há os que rompem as fronteiras entre o independente e o mainstream, como Céu, Criolo e Emicida. Conseguem ser populares e continuar à parte da indústria.”

No começo da década passada, os “artistas independentes” ostentavam esse rótulo porque era o que havia para eles –nunca por opção. Estavam, na verdade, à espera de uma gravadora que os descobrisse. Agora, esse “ser popular à parte da indústria” é a meta de muitos deles. E há quem finque o pé em não se vincular, nem minimamente, ao esquema industrial.

“Tentamos distribuir o disco do Criolo, mas não conseguimos –nem nós, nem nenhuma outra gravadora”, diz João Augusto, dono da Deck Disc, gravadora pequena que lançou todos os trabalhos da roqueira Pitty. Augusto foi executivo em multinacionais como PolyGram (atual Universal) e EMI e, entre 1980 e 2000, produziu Marisa Monte, Legião Urbana, Mamonas Assassinas, Erasmo Carlos e Los Hermanos, entre outros.

Na Deck, trabalha em esquema de parceria com os artistas. Distribuiu os segundos álbuns da banda cuiabana Vanguart e da cantora baiana Márcia Castro –ambos pescados na cena independente. Tentou fazer o mesmo com Mallu Magalhães, quando ela surgiu, há quase cinco anos. “Hoje Mallu trabalha com inteira liberdade e louvo que a [multinacional que lança seus discos] Sony seja paciente –coisa rara.”

Os olhos da grande indústria, portanto, estão atentos a esse cenário em que transitam nomes que o camelô dos CDs piratas jamais vai conhecer. De acordo com Marcelo Soares, diretor-geral da gravadora Som Livre, é quase impossível que um artista com algum potencial voe abaixo do radar da indústria por muito tempo, já que a maioria é detectada pela imprensa ou recomendada por algum artista já estabelecido.

“SHIMBALAIÊ”

“A parte difícil é identificar de antemão em qual vale a pena apostar. Há casos em que a gravadora não sabe o que fazer, mas também há casos em que não existe muito a fazer, o caminho é espontâneo, e o grande papel da gravadora passa a ser dar suporte para espaços que o artista abre.”

Soares usa Maria Gadú como exemplo. Desde que seu primeiro álbum foi lançado, em 2009, e “Shimbalaiê” explodiu, ela se tornou uma das maiores vendedoras de disco do país. Não por acaso, é a única da nova geração com uma coletânea na barraquinha pirata de Wanderley dos Santos.

“Uma coisa que ouvi muitas vezes é que o sucesso da Gadú trouxe uma onda de otimismo para os novos artistas e para o mercado como um todo. Por mais que seja uma exceção, é razoável imaginar que outras exceções possam vir.”

A próxima “exceção” aguardada com ansiedade pela gravadora de Soares é a paraense Gaby Amarantos. Cantora da cena tecnobrega de Belém, ela desponta como o próximo estouro nacional mais provável. Depois de um clipe bem recebido pela cena independente (“Xirley”), ela acaba de emplacar a irresistível “Ex Mai Love” na abertura de “Cheias de Charme”, novela das sete da Globo. Seu disco, “Treme”, foi gravado de maneira independente, mas vai ser lançado no mês que vem pela Som Livre.

“Gaby tem uma semelhança com o Criolo porque também segue seu caminho pessoal, independente de tendências, e se beneficia da crescente perda de preconceitos musicais que o país experimenta nos últimos anos”, diz o executivo.

“Exatamente por isso, não creio que seja um modelo a ser seguido. Claro que podem surgir outros artistas na mesma direção, mas não acredito que possa ser replicado se a origem artística não for autêntica.”

Estouros tendem a ser, portanto, cada vez mais raros. E se o mundo começasse nos moldes atuais? Será que não teríamos artistas cujas canções unificassem o inconsciente de todo o país, como fizeram, no passado, Roberto Carlos, Rita Lee, Caetano Veloso, Odair José, Tom Jobim, Milton Nascimento, Chico Buarque?

“Os artistas se renovam muito rapidamente hoje. A internet faz as camadas de popularidade serem muito mais maleáveis. O efeito no mundo é o mesmo, só exponencialmente maior”, diz Soares.

“Mais do que supersegmentação, a questão dos artistas é de super-renovação. No futuro, pode haver uma quantidade muito maior de artistas grandes do que antes, mas nenhum deles há de ser tão grande quanto o Roberto Carlos ou os Rolling Stones.”

Resta saber o que venderá Wanderley dos Santos em sua barraquinha.


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