São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012

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DANÇA

SÓ NO PASSINHO

por Adriana Küchler, do Rio

No You Tube ou nos bailes, a dança que mistura funk, frevo e break transforma garotos de favelas cariocas em celebridades locais.

Três moleques de chinelo e bermuda improvisam uma dancinha diferente num churrasco. O som é um funk. Remexem os quadris, ficam na ponta do pé, balançam a bundinha com trejeitos femininos. Um amigo filma e põe no YouTube com o título: “Passinho Foda”. Postado em 2008, o vídeo virou o marco inicial de um movimento, com quase 4 milhões de acessos.

A moda foi batizada de dança do passinho do menor, passinho da favela ou só passinho, para os mais chegados.

Centenas de meninos disputam acirradas Batalhas do Passinho e começam a exportar suas danças para outros Estados com uma grande pretensão: acabar com a ligação quase automática que se faz entre o funk, a apologia às drogas e a banalização do sexo.

É difícil explicar no papel (dá uma olhada aí em cima), mas a dança é uma colagem livre de funk, frevo, break e samba com a angolana kuduro e toques de Michael Jackson.

Um grupo de 17 dançarinos, de 11 a 20 anos, recebe a Serafina no Rio, depois de um ensaio. E explica que tudo gira em torno da internet: os meninos gravam as danças, vão até uma LAN house para publicar no YouTube, trocam comentários e combinam em que baile vão à noite em uma comunidade com mais de 10 mil membros no Orkut.

“Todo mundo tem câmera. Se não tem, pega a do colega”, diz Marcos Paulo Torres, 19, o Kinho. “Criança da comunidade não tem dinheiro pra escolinha de hip hop nem nada. Tem que fazer tudo sozinha.”

“Essa é a representação de uma época, de um momento econômico, em que esses meninos têm fácil acesso às câmeras e à internet”, diz o escritor Julio Ludemir, organizador da Batalha e espécie de embaixador dos meninos fora da periferia. “Eles gostam de aparecer na mídia e veem no passinho a possibilidade de ganhar dinheiro. Conquistaram fama nos bailes e já dão até autógrafos.”

O CHARME E O FUNK

Uma dessas novas celebridades, João Pedro Murga, 14, vencedor da última Batalha do Passinho, registrada pela Serafina, diz que começou a dançar vendo vídeos e observando a própria sombra na parede. Loirinho de olhos verdes, teve que vencer também o preconceito.

“No começo, me sentia diferente dos outros. Mas aí eu danço e todo mundo se apaixona”, ri. “Me disseram que sou um branco de alma preta.”

Leandro dos Santos, 19, o Bolinho, é outro que quebrou paradigmas. Vindo de Recife aos 14 anos, reuniu um grupo “só com os melhores dançarinos” e ajudou a profissionalizar a dança ao criar um dos “bondes” (grupo de dançarinos) de passinho mais famosos, Os Fantásticos.

“Ia pra Rocinha ensinar os meninos a dançar e fui fazendo discípulos. Hoje, muita gente me perturba pedindo para entrar no grupo, pelo Facebook, Orkut, MSN. Eu digo que não. Só entram os melhores.”

Para o diretor Emílio Domingos, que prepara um documentário sobre essa coisa “frenética e antropofágica”, Bolinho impressiona pela seriedade. “No Rio, um lugar onde o que importa é ser amigo das pessoas certas, ele estabeleceu o critério do mérito.”

No documentário, “Batalha do Passinho - Os Muleque São Sinistro” (assim mesmo, deixando de lado a concordância e copiando o jeito como “os muleque” falam), a ser lançado até o fim do ano, Emílio vai mostrar essa “cena efervescente” e destacar a “estética metrossexual” dos garotos. Eles cuidam do cabelo, tiram a sobrancelha e usam roupas de grife.

“Todos passaram no barbeiro antes de vir encontrar você”, entrega Julio. “Eles são uma nova expressão estética do macho da periferia”, define. “E não só se arrumam como também dançam como se estivessem brincando de ser gays. É uma estratégia para baixar a guarda e chamar a atenção das meninas.”

Julio agora organiza um campeonato virtual no site

batalhadopassinho.com. Os vencedores vão abrir dois palcos no Viradão Cultural carioca, na Quinta da Boa Vista e em Bangu, no dia 4 de maio.

Em junho, a batalha ganha versão ampliada, com etapas em todas as 19 UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) do Rio. “É um jeito de devolver o funk a algumas comunidades, já que a primeira coisa que a polícia faz quando pacifica uma área é acabar com o baile funk.”

Enquanto isso, o passinho caminha pelo país. Kinho assistiu a vídeos de garotos de São Paulo, Minas Gerais, Acre e Pará se empenhando no movimento. “Já vi um menino no meio do mato dançando passinho.” E diz que “até os playboyzinho” já entraram na dança.

“O passinho vai chegar na classe média”, garante Julio. Com uma pegada mais lúdica e sem ênfase no tráfico e no sexo, ele aposta que “essa é a chance de ‘desestigmatizar’ o funk e acabar com a esquizofrenia do carioca, que ao mesmo tempo ama e rejeita o funk”.


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