São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012

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CONTOS CARIOCAS

AS MIÚDAS DO RIO

por Antonia Pellegrino

Nova onda de imigração portuguesa chega à cidade e foge do estereótipo bigodudo.

Não há como passar despercebido. Porque é em bando. Nos lançamentos de livros, festas ou estreias de shows, lá estão elas. Desde os anos 1940, não se vê uma imigração tão intensa de portuguesas para o Rio de Janeiro.

Não é apenas efeito da crise. As malas de Marta Mestre, 31, curadora-assistente no MAM, e da jornalista e escritora Alexandra Lucas Coelho, 44, correspondente e colunista do jornal português “Público”, foram arrumadas bem antes de os taxistas de seu país largarem os carros no meio da rua por falta de motivação e de grana para gasolina. Elas desembarcaram por aqui em 2009 e em 2010, respectivamente. De lá pra cá, a leva só fez aumentar.

E não tem nada a ver com o estereótipo do portuga bigodudo, contando centavos num balcão de padaria ou botequim. A imigração de agora é de gente diplomada e cosmopolita, que se sente livre tanto da arrogância quando da culpa em relação à antiga colônia.

Escolhem vir para o Brasil porque “é outro lugar, mas não é um lugar igual aos outros. É nossa língua, embora não seja. É nossa herança, embora não seja”, explica Alexandra.

O maior choque cultural para as moças, ou as miúdas, como se diria além-mar, é o nosso cardápio de depilação. Perturbador, na visão delas. “Como pode ser uma preocupação tão grande? Nós fazemos ‘topless’ e temos pelos!”

Barbara Bulhosa, 40, da editora lusa Tinta da China,

recém-inaugurada aqui, fala que “embora virilha total não seja comum na Europa, tornou-se em Portugal por influência brasileira nos gabinetes de estética” –nossos salões, em bom “brasileiro”.

Alexandra teoriza sobre o fenômeno: “As meninas do Rio sabem como é dificil namorar e casar. Então, desenvolvem uma inteligência da raça: fazem de conta que não são tão fortes como são. Elas se embelezam à espera do elogio. Voltam atrás até porque os homens estão um pouco atrás.” Marta arremata: “Que não fique a ideia de que a mulher portuguesa tem bigode e não se depila!”

Mas, se aos olhos destas miúdas os corpos exibidos na orla “não existem!”, na zona sul ninguém come ninguém –no sentido antropofágico.

Elas pegam praia no Arpoador e em Niterói. Fazem trilha na floresta da Tijuca. Batem perna no centro da cidade, sambam no Andaraí. Cerveja é no quiosque Maracangalha das Motos, à beira da baía de Guanabara. Antropofagizam o carioca de toda parte, até porque, se a dieta fosse restrita à zona sul, elas já teriam nos deixado.

Novamente, Alexandra teoriza: “A zona sul carioca dá claustrofobia, uma sensação de provincianismo, algo a que falta mundo. E faltar mundo é: não reconhecer o outro”.

“O Rio de Janeiro corre o risco de se tornar apenas uma cidade nova rica, uma Miami, mas também pode virar uma verdadeira capital do mundo –transversal, misturada, que sirva ao Brasil.”


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