São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012

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RECORTE V

MACULELÊ

por Vivian Whiteman

Os cérebros mais divertidos já captaram a onda colorida e descombinada que vem aí.

Era uma vez um Brasil em que a classe média se gabava de moderação quase cristã, com moças de cabelos domados e roupas adequadas à escola, ao baile e, dependendo da casa, à missa.

Esse Brasil ganhou um vizinho atrevido, que chegou causando sensação no condomínio. É a nova classe média, formada por novos trabalhadores bem empregados e por empreendedores, fruto da melhor distribuição de renda.

E ela chegou chegando, exibindo uma identidade visual própria e um repertório de ídolos e referências tachado por muitos de cafona. Mas já conquistou algum terreno e parte da galera fashion, sedenta por novidades.

OVERDOSE

Um dos ícones desse movimento complexo é a cantora Gaby Amarantos, a gata que despontou como “Beyoncé do Pará” e rapidamente ganhou brilho próprio.

Uma festa em que não toque um de seus hits, como “Xirley” ou “Ex Mai Love”, está por fora do babado. A segunda faixa faz parte de seu novo disco, “Treme”, e está entre as mais vendidas do iTunes no Brasil.

Ela é a inspiração da personagem de Claudia Abreu em “Cheias de Charme”. E quem pensa que o visual overdose-de-tudo da personagem é caricato demais para o gosto do público está enganado.

Grande parte da população se reconhece mais em Chayenne e Gaby do que em qualquer modelo de capa de revista. Gostosas, sem vergonha de mostrar o corpo, coloridas, descombinadas, estampadas, brilhosas, purpurinadas.

Os cérebros mais divertidos já cataram onda no movimento. Já entenderam que o mundo da “aparelhagem” –o circuito tecnobrega que rola sobretudo no Norte e no Nordeste do país– é uma das coisas mais inventivas que apareceram nos últimos tempos.

Não faltam DJs e músicos estrangeiros de olho nessa cena. E atenção: muitos dos que hoje acham tudo isso uma cafonalha estarão em breve curtindo o legado dessa galera em versão para gringo, achando lindo.

Em termos de “visual”, Gaby e Chayenne podem não ser finas como querem certos manuais empoeirados, mas estão na moda. E não é de hoje.

Enquanto muitos estilistas brasileiros insistem num estilo europeizado e veem seus negócios naufragarem, grifes do gosto da nova classe média endinheirada (e das moças mais vaporosas da antiga), como Planet Girls e Morena Rosa, constroem suas minas de ouro fashion.

“CAFONA PRIDE”

Cores, fendas, brilho, tudo sensualizando nas araras. A valorização dessa estética “Miami Maculelê” só cresce. Caetano e Gal, aliás, com o funk tropicalista que leva esse nome, mostraram que quem é grande não tem medo de sair da casinha e experimentar o batidão.

Não se trata de criar uma nova ditadura, mas de reconhecer que, se a moda brasileira quer mesmo crescer e enfrentar a concorrência externa, vai ter de largar de ser metidinha e dialogar de alguma forma com essa estética.

Até porque essa história de cada um isolado no seu casulo, como diz Gaby, se botar na vitrine, não vale R$ 1,99.

Meu primeiro emprego

O ESTILISTA DE GABY

por Chico Felitti

As roupas de Guilherme Rodrigues são berrantes. Mesmo. Um vestido confeccionado por ele pode chegar a 85 decibéis, quando acoplado a um iPod. É o equivalente ao barulho dum liquidificador.

Mas o barulho que têm causado suas criações é mais alto do que os dos alto-falantes que ele usa para vestir a cantora paraense Gaby Amarantos.

“Eu traduzo o que ela é em roupa que pisca, que se ilumina. Nada é demais para nós!”, diz o paulistano de 23 anos.

Nem mesmo a saia vermelha de cintura alta com que Gaby foi entrevistada por Marília Gabriela, cujo cós acendia, ou o vestido da premiação da MTV no ano passado, em que ela cantou ao som do sutiã alto-falante.

Antes da cantora, a única coleção de Rodrigues tinha sido a de formatura na faculdade Belas Artes, “Eu nunca tinha trabalhado assim, de verdade”, diz o rapaz, do apartamento onde mora com os pais, na Vila Matilde, na zona leste paulistana.

Criador e musa conheceram-se de longe, na Virada Cultural de 2011. Ele estava na plateia e Gaby, no palco, quando os seios da cantora pularam para fora.

A ocasião fez o ladrão. “Mandei um e-mail ao empresário dela dizendo que eu teria feito a roupa melhor.” Junto com a mensagem ia um croqui. A resposta veio:

“Ela disse que gostou muito da roupa, mas queria colocar um pouco de tecnologia”.

Ele se virou. Aprendeu um pouco de eletrônica com o pai e outro pouco com os vendedores da rua Santa Ifigênia, reduto de eletroeletrônicos paulistano. Dali saíram as lâmpadas de Natal e de LED e a fibra óptica usadas no

vestido-sereia preto e branco com que Gaby cantou no último baile da revista “Vogue”.

Assim como as que aparecem no verde-musgo da novela “Cheias de Charme”. Com música dela na abertura, Guilherme Rodrigues foi convidado a fazer vestidos para a personagem Chayenne.

“Na novela, tem brinco de plugue de guitarra com cristal Swarovski, casquete com lampadinhas, um monte de coisas que, quem sabe, eu poderia fazer para vender”, imagina o neoestilista.

Ele tem recebido encomendas, mas não vai ser fácil: “Minha roupa é diferente. É meio complexa, é tipo fazer um carro”.


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