São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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NO RIO

dama da noite

por HELOISA SEIXAS

Com plantas de burle marx e um acervo de 3.000 anos de história DA ARTE, a Fundação Eva Klabin é uma surpresa à beira da lagoa

Há muito tempo que aquela casa de telhado normando, cercada de vegetação e muros de pedra, chamava a minha atenção. Parecia uma residência particular, dos tempos em que o entorno da lagoa Rodrigo de Freitas tinha mais casarões do que prédios, mas eu sabia muito bem que não, que ali funcionava um museu, um centro de cultura: a Fundação Eva Klabin. Só que, por um motivo ou por outro, ainda não tinha ido lá.

A hora chegou em grande estilo. Era noite de lua cheia e haveria um sarau nos jardins. Sob um friozinho outonal (nunca é inverno no Rio) e um céu limpo de julho, percorri o caminho de pedras que beira o lago de carpas. Em volta, uma vegetação densa, exuberante, exótica, na qual se percebem de imediato as mãos de um mestre: o jardim da casa, embora não tenha sido concebido por ele, recebeu muitas plantas de Burle Marx, que era grande amigo de Eva Klabin (1903-1991). É um jardim pequeno, mas tem um efeito surpreendente, que é o de nos transportar de imediato para um ambiente de silêncio e calma. Alguma coisa na disposição daquelas plantas faz o barulho do trânsito, ali do lado, desaparecer como por encanto.

Sob um toldo retrátil, mesinhas tinham sido espalhadas para receber os convidados, que assistiriam à apresentação do conjunto Os Cariocas, cantando, os clássicos da bossa nova. Tudo perfeito. Mas, da casa em si, que, àquela hora da noite, não estava aberta à visitação, pude apenas vislumbrar alguns ambientes através das vidraças.

E decidi voltar durante o dia.

Surpresa. Dentro da casa, comparativamente modesta, desconhecida de muitos cariocas, há um acervo com mais de 3.000 anos de história da arte. É bastante variado, incluindo arte oriental, greco-romana, ocidental, egípcia. Dentro desta última, há peças impressionantes, como o rosto de esquife da oitava dinastia. De madeira incrustada de marfim e ébano, com o rosto de olhos negros e expressivos, a peça tem 3.500 anos.Um retrato feito por Tintoretto, a Madona, atribuída inicialmente a Boticelli (mas que estudos posteriores mostraram pertencer a um de seus colaboradores, talvez Filippino Lippi), o cartã para tapeçaria de Giovanni Romanelli (de 1639) que cobre toda uma parede, quadros de Lasar Segall (inclusive um retrato de Eva Klabin quando criança) e de Camille Pissarro (único impressionista exposto) são alguns dos destaques do acervo.

Há também belas esculturas, como as tânagras (figuras de terracota) gregas, a Madona de marfim (França, século 14) e a dramática santa Teresa d'Ávila de madeira (Áustria, século 18). Em meio a um acervo tão clássico, o visitante se depara com uma instalação de ampolas emanando luz, enquanto o ambiente é envolvido por vozes que não se sabe bem de onde vêm. É o projeto "Respiração", de Daniela Thomas e Lilian Zaremba, uma intervenção de arte contemporânea que certamente agradaria a Eva Klabin.

Ela era mulher sem preconceitos, gostava de tudo em matéria de arte. Sua personalidade é um dos destaques do lugar, pois todos os cômodos da casa estão como eram quando ela vivia lá. Na introdução do livro "A Coleção Eva Klabin", o curador Marcio Doctors faz uma observação interessante: diz que, apesar de estar à beira da lagoa, lugar tão luminoso, dentro da casa parece ser sempre noite. Perfeito para uma mulher notívaga (seus jantares às 3h da manhã ficaram famosos) e era apaixonada por literatura policial. Verdadeira Lady Dark (de "Os Sonetos", de Shakespeare).

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