São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009 |
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FINA A escritora Patrícia Melo lança novo romancepor CADÃO VOLPATO A VOZ HUMANA Uma nova editora, um novo romance e a mesma inquietação conduzem a literatura da discípula de rubem fonseca A voz narrativa de Patrícia Melo é forte. Uma voz narrativa é a coisa mais importante que um escritor pode ter: ela faz o leitor entrar no livro, acreditar no que está lendo. Patrícia não leva o leitor pela mão. Ela o empurra para dentro dos seus livros, de forma tão irremediável que fica difícil esquecê-los. Ela possui essa aptidão de transformar os impulsos mais violentos da alma humana em sensações estranhamente familiares. Parece que tudo está escondido na nossa caverna escura –a compulsão pelo mal, a violência explosiva. Frase a frase, ela nos devolve essa assustadora humanidade. Quem não conhece os autores dos livros que admira corre o risco de considerar o contato com eles repulsivo, desastroso, frustrante, raramente maravilhoso. Culpa da nossa imaginação. O caso de Patrícia, que estreou há 15 anos com o intrigante "Acqua Toffana" (1994), é exemplar. Empurrados para dentro dos seus livros cheios de crueldade e humor de extração negra, esperamos alguém áspero e duro atrás da porta –o autor de "Acqua Toffana", "O Matador", "Inferno" ou "Jonas, o Copromanta". Ela vive numa das ruas mais tranquilas de Higienópolis, em São Paulo. Seu prédio tem uma campainha européia, sem porteiro. A mulher simpática que abre a porta do apartamento, de cabelos molhados, não é nem de longe A Grande Dama do Crime e da Violência ou A Mulher mais Assustadora do Quarteirão, a Que Fala a Língua das Ruas. "Quando Nelson Motta leu um dos meus livros e procurou a foto do autor, esperava encontrar um negão com uma arma na mão", ela diz. Patrícia vive com o maestro John Neschling num apartamento confortável. Pinturas abstratas enfeitam as paredes (uma delas, de Célia Euvaldo, carregada de tons sombrios, atrai de imediato a atenção por seus azuis e pretos profundos). Sobre um piano de cauda, diversas fotos de família. O maestro Neschling, que ela chama de Johnny, aparece numa delas com os cabelos compridos, em preto e branco. Em outra, a filha de Patricia, Luísa, 19, abraça uma figura importante nessa história, o célebre e recluso Rubem Fonseca. Patrícia agora está na Rocco, que pretende relançar os títulos antigos ao longo dos próximos dois anos. Ela também está escrevendo um novo romance para a nova editora, ainda sem título. IMPULSO NARRATIVO Patrícia morava em Lisboa, onde trabalhava com o diretor Walter Avancini num projeto de televisão para o canal RTP. Sua vizinha era a cineasta Suzana Amaral, que comprou os direitos do primeiro romance de Fonseca lido por Patrícia, "O Caso Morel". Suzana sugeriu que ela escrevesse o roteiro e a escritora saiu comprando todos os livros do autor que pôde encontrar. A amizade veio em seguida. "Acqua Toffana" nasceu das aventuras na linguagem da televisão. Patrícia tinha a ideia de escrever um roteiro "sobre um homem que queria morrer e uma mulher que queria matar". Naquele tempo –estamos falando de 1994– não havia uma tradição a ser seguida na literatura brasileira. Os jovens escritores mais cosmopolitas, como Patrícia e Bernardo Carvalho, que escreveu o seu primeiro, "Aberração", mais ou menos na mesma época, precisaram inventar um caminho a seguir. "Sem preconceito nem tradição", ela diz, "resolvi transformar aquela história em literatura". "Foi o livro mais irresponsável que eu já escrevi; jamais sabia como continuar." Ficava de pé diante da máquina, tão grande era o impulso narrativo. E a graça de tudo aquilo: humor sempre foi um elemento forte nos seus textos. Enquadrar "Acqua Toffana" ou qualquer outro livro da autora na estante de romances policiais é um erro. Patrícia Melo opera no terreno mais rico das narrativas violentamente sofisticadas. "Mas eu adoro romance policial", ela faz questão de afirmar. Seus leitores apreciam todas as nuances e as crueldades que aquela voz narrativa embala como se fosse a coisa mais familiar do mundo. Numa das colunas que escreve para um site português de literatura, Patrícia contou que uma experiência com a morte teria incendiado sua fantasia aos sete anos. "É ficção", ela diz, rindo. "Mas o espanto diante da ideia de finitude é um denominador comum daquilo que escrevo." Ela vem de uma família numerosa plantada em Assis, no interior de São Paulo. Conta que tinha medo de perder a felicidade barulhenta que havia ali. Cita de Aristóteles o que bem poderia estar escrito no seu brasão (com um toque de familiaridade coloquial): "O que é terrível de se ver na realidade pode ficar lindo numa obra de arte". Ela própria faz essa ponte entre arte e realidade todo dia, das 6h em diante, nunca menos de quatro horas, perseguindo "um desenho não muito claro", que deve ser chamado, sim, com todas as letras, de literatura. 6 PISTAS PARA DECIFRAR PATRÍCIA 2- Características importantes para a ficcionista: pessoas fortes, mas frágeis. "Johnny [John Neschling, seu marido], por exemplo, tão forte, é um touro frágil" 3- O tema do próximo romance é a perversão. O personagem principal sequestra um cadáver 4 - Ela chegou a marcar uma viagem para Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde se passa a história do novo livro. Mas desistiu, em parte por causa dos mosquitos 5 - Ela ama Philip Roth. "A biografia do escritor está nas entrelinhas da ficção", ele escreveu e ela cita. Também ama Edgar Allan Poe e Stieg Larsson, da série "Millenium" 6 - Deve se mudar por uns tempos para Lugano, na Suíça, onde o marido John Neschling tem uma casa. Ou, como ele passa muito tempo viajando, podem decidir por Paris. 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