São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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SÉRGIO DÁVILA - em Washington

Séries de TV levam para a ficção as faces da América

A NOVA TERRA DE MALBORO

As séries de TV americanas, que vivem de recriar na ficção um retrato da América, têm em "Mad Men" e "In Treatment" um radar da ambiguidade da Era Obama

A terceira temporada de "Mad Men" começa com o personagem principal tendo um flashback. Enquanto esquenta o leite para a mulher grávida, o publicitário Don Draper (o ator John Hamm) se lembra de sua infância difícil –era filho de uma prostituta. Estamos em 1963. O passado olha para trás, um pouco de metalinguagem para uma série que busca em outra época paralelos com os EUA de hoje.

Criada por um dos roteiristas de "Família Soprano", "Mad Men" é de longe a melhor série no ar na TV paga norte-americana. Compete com as sessões de análise de "In Treatment", e o resto vem bem atrás. Assim como "24 Horas" e os reality shows entrarão para a história como as manifestações televisivas principais da Era Bush, as duas primeiras captam a ambiguidade e a estranheza dos tempos atuais.

Barack Obama, sua mulher, Michelle, as crianças, mais a trupe de Chicago têm algo da "Camelot" de John F. Kennedy e seus primeiros anos na presidência, no início da década de 60, não por acaso a época em que se passa a série.

Lá, como agora, o país parece experimentar uma troca de guarda, um câmbio geracional, uma mudança de paradigma. Lá, como agora, também, é grande a reação dos que deixam o centro da sala. Nesse momento, são conservadores que davam as cartas desde, pelo menos, a chegada de Richard Nixon ao poder, em 1969, com duas interrupções (Jimmy Carter em 1977, um bip no radar, e Bill Clinton em 1993, exceção que confirma a regra, embora quase tenha sido escorraçado da Casa Branca por motivo torpe).

De fato, o Barack Obama presidente é pior do que o Barack Obama símbolo de mudança. "Yes, we can", mas alguém tem de pagar as contas da casa, e isso inclui colocar a economia nos eixos e resolver duas guerras. Com JFK, não era diferente –ou, melhor, era diferente e pior do que o retrato que ficou na história. Mal assumiu, o democrata escalou a Guerra do Vietnã, ordenou a invasão de Cuba para derrubar Fidel Castro, quase saiu no braço com a então União Soviética.

Onde entram "Mad Men" e Don Draper nesse bolo?, perguntarão as serafinas e os serafinos que acompanham essa coluna. O galã da série é um JFK no corpo, com uma pitada de gestão Obama na alma. Chega à agência de publicidade careta com promessas de mudança e as cumpre parcialmente, mas o que ele mais muda mesmo é de amante, quase uma a cada episódio.

Com uma biografia improvável, reinventa-se para ser aceito pelo centro do poder, que tentará implodir por dentro. Pelo menos até agora, acaba compondo e conchavando mais do que o necessário para continuar dando as cartas. Tanto em casa, onde se compromete a ser fiel e bom pai, como no trabalho, onde aceita calado a ascensão de um rival que ele particularmente odeia.

O sucesso da série, primeiro de crítica, depois (embora ainda modesto) de público, já foi explicado por um crítico como a tendência de, na adversidade, os americanos revisitarem o passado, o glamourizando. Eu acho que é porque ninguém sabe onde a coisa toda vai dar. Nem mesmo o autor, que já deu a entrevista obrigatória dizendo que os personagens ganharam vida própria etc. Há rumores de que Draper morre no fim, como JFK. Outros acham que ele surpreenderá a todos, numa reviravolta. Como Obama?

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