São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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MODA

Até parece primavera para Traudi Guida e seus lírios brancos

por ALCINO LEITE NETO

Três cigarros com Traudi Guida

Fundadora da Le Lis Blanc, a empresária conta como criou há 21 anos a sua marca e diz que moda se aprende nas ruas e no balcão das lojas

"Aqui, na minha sala, eu juro que ninguém me impede de fumar", diz a empresária e estilista Traudi Guida, em seu escritório na sede da Le Lis Blanc, em São Paulo. Decidida, acende o primeiro cigarro para contar como construiu uma das marcas de roupa mais poderosas do país.

A Le Lis Blanc está completando 21 anos. A primeira loja da grife, aberta no shopping Iguatemi em 1988, tinha 46 m2. A atual, no mesmo shopping, onde é a recordista de vendas, chega a 456 m2. Cada coleção da marca tem, no mínimo, 2.000 itens, que geram uma produção de mais de 160 mil peças por mês, distribuídas para 40 lojas em todo o Brasil. Em 2008, a empresa faturou R$ 295 milhões. Como se não bastasse, neste mês abriu uma nova marca, Le Lis Petit, com roupas para garotinhas de 0 a 10 anos. A partir de outubro, durante um ano, vai comemorar a maioridade com várias "surpresas" para a clientela –entre elas, o lançamento do seu primeiro perfume, "21".

Primeiro cigarro: a filha da guerra

A mãe de Traudi era descendente de alemães que viviam no Brasil. Um dia, em plena Segunda Guerra, embarcou para a Alemanha. Trabalhou como enfermeira num hospital e engravidou de um alemão. Ao final do conflito mundial, o casal desembarcou no Brasil. A menina nasceu em São Paulo e recebeu o nome de Waltraut, uma das valquírias de "O Anel dos Nibelungos", de Wagner. "Mas quem consegue pronunciar esse nome? Desde criança me chamam de Traudi", conta a estilista.

Traudi fazia direito em São Paulo, quando, em 1967, começou a trabalhar numa das lojas badaladas da época, de nome absurdo: Ah, Se Eu Pudesse Arfar nos Braços Argentinos de Angelita. Logo, virou gerente da Angelita e largou a faculdade. Em 1969, resolveu abrir o seu próprio negócio, a multimarcas Snupy. Sem muito dinheiro, usou caixas d’água pintadas como balcão. O local passou a ser frequentado por jovens estilistas, como Gloria Coelho e Renato Kherlakian, que levavam suas criações para serem vendidas ali. "Eram todos sacoleiros, e várias vezes chegavam de ônibus elétrico. Havia uma grande união entre nós, era o início da moda paulista", diz.

Segundo cigarro: o casamento perfeito

O encontro com a estudante de economia Rahyja Afrange, descendente de libaneses, mudou a vida de Traudi. As duas abriram a Estoque, que vendia o "saldo" de grifes. Em 1988, decidiram criar outra marca, a fim de ocupar uma loja no shopping Iguatemi. "Eu queria que tivesse o nome de uma flor em francês, não me pergunte por quê." Surgiu a Le Lis Blanc (o lírio branco).

O sucesso foi tão grande que os outros negócios foram ficando para trás: a Snupy durou mais três anos, a Estoque fechou em 1993. Na Le Lis Blanc, Traudi cuidava da criação, enquanto Rahyja preferia administrar a empresa. "Foi um casamento perfeito", diz. Mais tarde, a grife ganhou um novo sócio, Alexandre Agasse, irmão de Rahyja. Em 2007, o grupo de investidores Artesia fez uma proposta "irrecusável" de compra da marca. Feito o negócio, Traudi, Rahyja e Alexandre se tornaram sócios minoritários da empresa, uma das poucas na área de moda no país com capital aberto. Em 2008, Rahyja faleceu. "Foi uma tragédia para mim, um período muito difícil", conta Traudi, que permaneceu como diretora de criação, enquanto Alexandre assumia a presidência. Levando à frente seu plano de expansão, a Artesia adquiriu no ano passado a grife Bo.bô.

A Le Lis Blanc permanece o centro da vida de Traudi, 62, apesar de ela não ter que se preocupar diretamente com a administração. Chega à empresa às 9h e costuma sair às 21h. Quase todos os dias, almoça no próprio escritório. Viúva e mãe de dois filhos, de 27 e 29 anos, vive com o mais novo. Seu trabalho atual consiste em direcionar a equipe de criação e aprovar as roupas da grife. Nas horas vagas, gosta de ir a antiquários, ao cinema e não resiste a convites para dançar.

Terceiro cigarro: lições do balcão

Sendo tão bem-sucedida comercialmente, por que será então que a Le Lis Blanc nunca fez desfiles em semanas de moda no Brasil? "Por uma simples razão", explica Traudi. "Aqui, ninguém é criador. Trabalhamos a partir de ideias já existentes." Sua franqueza pode servir de lição para grifes pretensiosas. Na opinião de Traudi, as fashion weeks deveriam mostrar apenas o trabalho de designers que exploram ideias originais.

Isso quer dizer que a Le Lis Blanc trabalha com cópias? "De modo algum", ela rebate. "Não conseguiríamos copiar 2.000 modelos! O que ocorre é que sempre nos baseamos nos estilos consagrados. Uma estilista como Gloria Coelho, por exemplo, não pensaria muitas vezes em criar um vestido na forma de um ‘8’, se lhe desse na cabeça fazê-lo. Nós nunca nos arriscaríamos", compara.

Na Le Lis Blanc não existe nem mesmo a preocupação em fazer coleções por temporada. "Nós criamos continuamente, o tempo todo. Esse é o grande trunfo da marca. Se houver uma mudança de comportamento, nós temos como fazer rapidamente." Seria como uma fast fashion?, eu pergunto. "Talvez. Mas as pessoas acham isso depreciativo, não?", indaga.

Ela prefere dizer que sua marca é "comercial", palavra que não a assusta. "Faculdades de moda ensinam que você não pode ser comercial. Mas o que tenho visto são muitos negócios quebrando por aí", diz. "Trabalhei mais de 16 anos em balcão de loja, onde todo estudante de moda deveria passar. É na rua que você percebe para onde o mundo está indo e é no balcão que entende o que as mulheres de fato querem", ensina Traudi, enquanto dá outra decidida tragada em seu cigarro.

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