São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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QUE FIM LEVOU

ARARA PUNK

por JOCA REINERS TERRON

Aos 53 anos, Nina Hagen estrela programa na TV alemã e grava novo álbum

A vida da maneira como era vivida em 1985 nos parece hoje em dia tão distante como o século 19 ou algo assim. Para testar tal afirmação, basta contar aos mais novos das dificuldades para se obter discos recém-lançados naqueles tempos, ou então lhes explicar como era complicado conseguir informações sobre a separação escandalosa de nossa banda predileta. Eles vão se surpreender. A coisa mais próxima da internet podia ser um amigo surfista que viajava bastante para disputar torneios internacionais ou o filho de um diplomata que habitava ares mais poluídos que os daqui. A palavra sitcom ainda não existia e a série de TV mais parecida com a idéia que fazemos do gênero atualmente era “A Gata e o Rato”. Bruce Willis ainda tinha cabelo. Eu também. Escândalo total.

Mas daí surgiu a cara de Nina Hagen no “Fantástico” e tudo começou a mudar. Ela não estava sozinha: ao seu lado, todo pimpão, “pogava” o Supla. Pareciam duas raras araras fugidas de algum aviário punk. Os mais novos precisam entender que, em 1985, o punk rock ainda não havia chegado às butiques. Quer dizer, o modelito chegara ao guarda-roupa importado de Supla e olhe lá, mas os punks brasileiros “de raiz” ainda viviam nos subterrâneos do ABC. Aquela aparição em rede nacional foi algo inaugural: naquele momento, em meados da década, os anos 80 pareciam enfim decolar. Graças às asas das araras punks e não só, como veremos.

Humanismo Divino

Eram os primeiros anos da anistia política, da constituinte e da campanha das eleições diretas para presidente. Existia certa eletricidade nas nuvens que, de alguma forma, era traduzida pela tanguinha de crochê usada pelo repatriado político Fernando Gabeira nas praias cariocas e pelo moicano verde e azul de Nina Hagen na TV. E então veio o primeiro Rock in Rio. Nina arrebentou no palco e também com o coração de roqueiro de Supla, depois sumiu. Bateu asas e voou. A arara voltou ao ninho. E assim o Brasil descobriu que os punks também amavam e, afinal, a liberdade raiou no horizonte. Fim?

Mas para onde foi Nina? Nos anos 90, voltou à sua Berlim natal e viveu por anos em Paris. E agora, aos 53 anos, onde está? “Vivo com meu filho Otis numa casa pertinho da praia em Topanga Canyons, Los Angeles. Mas também vivo –não tanto quanto gostaria– em minha “ashram” (local de retiro) em Herakhan, na Índia, onde construo uma casa movida a energia solar”, diz ela à Serafina.

As vinculações místico-espirituais de Nina Hagen existem desde o início de sua carreira: considerada a “mãe do punk rock”, ela sempre atribuiu características divinas à maternidade. “Fico extasiada em ser mãe. Meus filhos são Cosma Shiva, que tem 27 anos, e Otis, 18. Cosma é uma atriz muito, muito, muito boa e popular na Alemanha. Otis vai bem na escola e tem ótimo gosto para música e artes... Ambos são pessoas maravilhosas. Eu os amo demais e sinto muito orgulho deles.”

Adepta de sincretismos religiosos que deixariam ruborizada qualquer Baby Consuelo, Nina mistura crenças cristãs com hinduístas e acredita ter ido ao inferno: “Não acho que minha religião seja peculiar. Eu morri em minha primeira viagem de LSD e percebi que não existe nada além da dor e do sofrimento. Tomei então minha decisão espiritual e me rendi a Deus. Desde aquele dia –em Berlim Ocidental, quando tinha 17 anos– sei que Deus nos ama mais do que jamais saberemos. Deus é Deus, independentemente de como cada um de nós o chama. Deus é ‘menschlichkeit’”, diz Nina, em seu “deutschenglish” selvagem. “Menschlichkeit” quer dizer humanidade em alemão.

PUNK DEMOCRATA

Nos EUA, La Hagen não só encontrou Deus, mas também o Partido Democrata. Ela apoiou os deputados Mike Gravel e Dennis Kucinich à candidatura para a presidência nas prévias internas do partido, assim como apóia a “verde” Cindy Sheehan ao Congresso. “As grandes redes de TV simplesmente baniram Kucinich e Gravel do debate público e isso abalou minha confiança na democracia norte-americana, além de partir meu coração.”

E é assim, quando surge essa questão de corações partidos, que aproveitamos a deixa: e o Supla, encontrou-o novamente? “Ah, 1985... O Rock in Rio e minha turnê pelo Brasil foram um ponto altíssimo em minha carreira. E não faço idéia de por que nunca mais toquei aí de novo. Supla veio a Berlim cerca de dois anos atrás filmar um clipe do qual participei. Sempre fico feliz em vê-lo e em tocar com ele.” Nós também gostaríamos de revê-la, Nina, e embora saibamos que os bons tempos não voltam mais, também sabemos que o lugar das araras punks é nos trópicos. Que tal então voltar ao Brasil? “Gostaria muito. Estou trabalhando em meu novo álbum e finalizei a produção de minha série de TV, “Ninavision” [programa de entrevistas que estreou em novembro na TV alemã]. Como meus dois filhos já são ‘erwachsen’ (“adultos” em alemão), em breve poderei fazer uma nova turnê mundial. IABADÁBADÚ!”. Iabadábadú, Nina, estaremos esperando por você em Bedrock.

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