São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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NO RIO

Tunel do Tempo

por HELOÍSA SEIXAS

Um passeio pelas ruas do bairro mais pacato do Rio

É o tempo de um sinal de trânsito. Vamos supor que estamos, você e eu, ali na avenida Pasteur, quase em frente à estação do bondinho do Pão de Açúcar, parados no sinal fechado. Quando a luz verde acende, com um giro do volante à esquerda, entramos na rua Ramon Franco. Pronto. Bastou isso –esse gesto tão simples– para começar nossa viagem no tempo. Estamos no Rio de 1940.

Uma cidade quase só de casas, com ruas pacatas que vão dar em pequenas praças, onde não há grades nem muros altos, onde ninguém parece ter pressa. De repente, de um portão baixo de madeira que estava apenas encostado, vemos sair um cachorro. Ele usa coleira, mas sai sozinho, saltitante, parando para fazer xixi em cada poste, passeando sem o dono, ele próprio dono das ruas. É assim a vida nesse bairro saído de uma outra época.

A Urca não existia. Antes, o paredão de pedra do Pão de Açúcar se despejava direto dentro d’água. Em 1921, foi criada a Sociedade Anônima Empresa da Urca (Urca é um acrônimo das palavras “urbanização” e “companhia”), que construiu o bairro, aterrando o entorno dos morros com areia dragada do fundo da baía. É nele, nesse bairro inventado, que vamos passear.

CARIOCAS SORTUDOS

Ao fim da Ramon Franco, no ponto em que ela desemboca na avenida Portugal, diminuímos a marcha. Diante de nós, está a enseada cheia de barquinhos. Ao fundo, à esquerda, no alto do Corcovado, o Cristo aparece entre nuvens, com raios de sol descendo em leque. É uma das mais belas paisagens urbanas do mundo. Sorte dos 7.000 moradores que vivem aqui.

Virando à direita, seguimos rumo à antiga praia da Saudade, onde em 1922 foi construído o hotel Balneário, que em 1933 se transformaria no famoso Cassino da Urca. O prédio, que durante anos foi a TV Tupi e em 2009 vai abrigar o IED, um instituto de design (contra a vontade de parte dos moradores), está em obras.

Passamos por baixo da passarela que liga os dois prédios do antigo cassino e entramos por mais uma rua quase só de casas, a Cândido Gaffrée. É aqui que estão as casas mais bonitas, em vários estilos –art déco, normando, Tudor– que tornaram a Urca uma coqueluche na virada dos anos 30 para os 40, quando as revistas anunciavam seus lindos “bangalôs à beira-mar”.

Ao final da rua, além de nova visão da baía, damos também com uma cena pitoresca. Na entrada do Forte São João, a amurada de pedra que se debruça sobre o mar está cheia de gente. Jovens, na maioria. Uns sentados, outros encostados na mureta, quase todos segurando copos. É como uma festa ao ar livre. Quando vemos um garçom atravessar a rua com a bandeja na mão, equilibrando várias tulipas de chope e um prato de pastéis, entendemos: aqueles rapazes e moças são os fregueses do Bar e Restaurante Urca (fundado em 1939), que fazem do cais sua mesa.

Um pouco adiante, já longe da algazarra do bar, a amurada é freqüentada por gente bem mais silenciosa: os pescadores. Se nos deixarmos ficar aqui até o sol se pôr, quando a escuridão engolir o céu e o mar, veremos as iscas artificiais riscando a noite e indo ferir a água lá longe, somando-se às luzes que surgirão por toda parte, do outro lado da enseada, no morro da Viúva, no aterro, nos altos de Santa Teresa, na ponte, do lado de Niterói. Será talvez hora de irmos embora, voltar para esse Rio frenético de 2008. Mas –sabe de uma coisa? Ele também é bom demais.

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