São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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MEMÓRIA

Fotos inéditas de Chico Science (1966-1997)

por ROBERTO DE OLIVEIRA

ANAMAUÊ, AUÊIA, AÊ

Fotos inéditas do baú da família ilustram a trajetória do criador do movimento Mangue Beat dos primeiros aos últimos cliques

Dizem que ninguém conhece o filho como a própria mãe. Mas, nesta história, nem mesmo os instintos maternos mais profundos perceberam algo naquele garotinho que, quando homem, seria chamado de artista. Nas palavras da mãe, Rita Marques de França, "criança é sempre tão barulhenta e trelosa" que, se havia algum talento escondido ali, passou batido. Como ela virava noites em claro por trás de uma máquina de costura, faltou botar reparo suficiente no filho.
Na realidade, a miopia materna estava camuflada por outros interesses. De formação católica, sobrinha de tia freira, dona Rita concebeu a criança, caçula de quatro filhos, já com um rumo predestinado: o de, um dia, vê-lo rezando missa de batina.
A escolha do nome, nas palavras da mãe, confidenciava o desejo: Francisco de Assis, homenagem ao santo de devoção. O garotinho até que simpatizou com a ideia. Catequizado pela própria mãe, encantava-se com as visitas de frei Ademir, religioso que frequentava a casa da família, em Rio Doce, bairro de Olinda (PE).
"Barulhento e treloso", não demorou muito para Chico revelar sua verdadeira vocação. Aos 12 anos, queria a todo custo tocar flauta na banda do colégio, para desespero da mãe. Dona Rita pelejou com remédios caseiros e santos milagrosos até livrar o filho de uma crise asmática que o perseguiu dos três aos sete anos.
Instrumento de sopro, calculou dona Rita, ressuscitaria a maldita doença. Melhor que o menino fosse logo bater bumbo.
Não teve jeito. Chico tocou flauta durante dois anos. De repente, a mãe se deu por vencida nas duas frentes: a musical e a da fé. No lugar da batina, o adolescente começou a encomendar roupas coloridíssimas à mãe costureira.
"Que diabos ele preparava?", perguntava-se dona Rita. Quando Chico beirava os 18 anos, a mãe foi convidada para uma festa da associação de moradores de Rio Doce. "Nem sabia que meu filho era tão talentoso", disse ela, emocionada, à Serafina. "Acabou o show, ele se escondeu por trás da cortina e, de repente, saiu de roupa nova." Logo o bairro todo começou a pronunciar um novo nome: Chico Science.
Mas o garoto ainda precisava dos trocados de dona Rita para se manter. "Ele sempre me dizia: 'Minha mãe, a senhora vai reaver tudo isso no futuro'. 'Deixe disso, meu filho'", retrucava.
Dona Rita se tornou a costureira oficial do filho, que não parava de trazer panos coloridos para ela confeccionar os trajes usados nos shows. "O principal deles foi para fazer uma apresentação que seria muito especial e mudaria a vida dele: no Aeroanta, em São Paulo", lembra dona Rita, 76, referindo-se ao show de lançamento de "Da Lama ao Caos", primeiro disco de Chico Science & Nação Zumbi, em 1994.
O silêncio veio em clima de Quarta-Feira de Cinzas num domingo anterior ao Carnaval de 1997. No dia 2 de fevereiro, um acidente de carro tirou a vida do ponta de lança do movimento mangue beat.
Os direitos autorais da obra de Chico Science ficaram para a filha dele, Louise, 18. Dona Rita se sente compensada. Acredita que o dinheiro terá melhor serventia nas mãos da "netinha".

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