São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

Próximo Texto | Índice

FINA

Moça de família

por FERNANDO EICHENBERG, de Paris

Recém-premiada no Festival de Cannes, a filha do casal Serge Gainsbourg e Jane Birkin perpetua a tradição familiar ao se manter sob o manto da polêmica

Atriz precoce, cantora cult, ícone contra a sua vontade e tímida por natureza, a francesa Charlotte Gainsbourg é alentada por incertezas e movida por desafios. Pelo mais recente deles, o polêmico filme “Antichrist”, uma aterrorizante e tórrida trama dirigida pelo dinamarquês Lars von Trier, foi recompensada na semana passada com o prêmio de melhor atriz no Festival Internacional de Cinema de Cannes. Mais de duas décadas se passaram desde que, aos 14 anos, recebeu às lágrimas, no palco do Palais des Congrès, em Paris, o troféu de melhor promessa feminina do prêmio Cesar (o Oscar francês) por “L’Effrontée” (1985), do cineasta Claude Miller. Charlotte mantém seu eterno ar adolescente, mas se tornou mulher.

Sobre “Antichrist”, disse numa entrevista à imprensa francesa: “O filme não é nada comportado. Tudo é extremo, quase ‘gore’ [horror trash], quase pornô. Filmamos muitas cenas de sexo e esquecia o pudor. Eu não tinha mais nenhuma barreira”.

Barreiras, internas ou externas, são onipresentes em sua vida, mas, hoje, não mais intransponíveis. Às vésperas de completar 38 anos, casada com o ator e diretor israelense Yvan Attal, mãe de Ben (12) e Alice (6), Charlotte Gainsbourg é uma atriz de reconhecido talento, uma cantora de musicalidade incomum e uma mulher cultuada pela fragilidade de sua beleza.

Charlotte é a jovem que, aos 13 anos, interpreta a filha de Catherine Deneuve no filme “Paroles et Musique” (1984), do diretor francês Elie Chouraqui. “Eu não tinha seios, ainda estava com dentes de leite, devia aparentar uns oito anos”, disse certa vez. Aos 19 anos, com o longa “Merci la Vie”, de Bertrand Blier, decidiu abandonar os estudos e assumir a profissão de atriz. Em sua filmografia mais recente, destacam-se papéis em “21 Gramas” (2004), de Alejandro González Iñárritu; em “Sonhando Acordado” (2006), de Michel Gondry, e em “Não Estou Lá” (2007), de Todd Haynes.

Música com Beck

Charlotte é a voz que abre a canção “What it Feels Like for a Girl”, do álbum “Music” (2001), de?Madonna, pela inserção de algumas palavras pronunciadas pela atriz no filme “The Cement Garden” (1993), dirigido por seu tio Andrew Birkin. A inusitada participação de apenas três segundos a encorajou a gravar, em 2006, “5:55”, álbum de delicada melancolia elaborado com a colaboração, entre outros, de nomes como o duo francês de eletrônica Air e?Nigel Godrich (produtor da banda Radiohead). De Cannes, a premiada atriz voou para Los Angeles (EUA), para finalizar seu próximo CD, que será lançado em novembro. No novo trabalho, o seu parceiro é o celebrado músico americano Beck.

Charlotte é a musa da marca Gérard Darel, exibida em imagens sensuais sob o epíteto “uma nova elegância sem artifício”. A revista americana “Vanity Fair” foi igualmente seduzida pelo charme insolente da atriz francesa. Em 2007, a publicação a elegeu, pelo voto de um júri internacional, como a mulher mais elegante do planeta, tanto por seus jeans boca-de-sino como por seus vestidos Balenciaga.

Mas, para alcançar a liberdade reivindicada, foi preciso superar o peso da incontornável e explosiva celebridade dos pais. Sua mãe é a inglesa Jane Birkin, 62, alçada à fama ao interpretar em versos de sensualismo explícito e gemidos lúbricos a canção “Je T’Aime Moi Non Plus” (1969), composta pelo pai, Serge Gainsbourg (1928-1991), poeta maldito e músico irreverente catapultado ao status de mito francês.

Antes mesmo de vir ao mundo, Charlotte frequentava capas de revistas em fotos de sua mãe nua e grávida. Na escola, era comum ouvir de seus colegas que seu pai era um drogado e, sua mãe, uma puta. A tradição de irreverência se perpetua. Importunado no colégio por causa de “Antichrist”, seu filho Ben havia pedido à mãe que fosse cortada a cena de sexo do trailer do filme. “Mas, ao saber que ganhei o prêmio, ele disse que isso apagava tudo, que não era importante”, contou ela na rádio “Europe 1”.

Gainsbourgiana

Para o cineasta Bertrand Blier, seu semblante é uma mescla de Serge e Jane: “Seu rosto é uma história de amor”, disse certa vez. Para ele, Charlotte é gainsbourgiana, no limite da provocação. “Quando se é a filha de Jane Birkin e Serge Gainsbourg, não se tem medo de nada. Com um pai desses, ela não pode se parecer com outros: Serge era um Ovni, ela é uma marciana”, resumiu.

A extraterrestre Charlotte Gainsbourg acredita que há uma certa irresponsabilidade nas atrizes por elas nutrirem muitas esperanças, mas não saberem realmente para onde vão. “O perigo e o imprevisto me interessam cada vez mais. Às vezes sou tomada por um medo paralisante, mas, ao mesmo tempo, não dou as costas a nenhum personagem. Há essa vontade de me jogar e descobrir”, disse em entrevista à revista francesa “Psychologies”, em 2005.

O turista acidental que avistar sua inconfundível silhueta nos arredores do bairro parisiense de Saint-Germain des Près –onde mora e também costuma visitar a intacta e inabitada casa paterna–, terá o olhar atraído como um imã por sua aura de menina ingênua, enfeitiçada por um carisma selvagem.

São inúteis as tentativas de defini-la, a exemplo da alcunha de?“Sofia Coppola francesa”. Charlotte Gainsbourg se mantém inclassificável. Resta esperar que continue irresponsável e destruindo suas barreiras. E, claro, que não retorne para Marte.

Próximo Texto: ANAGRAMA: Dody Sirena, o homem que tem linha direta com Roberto Carlos
Índice


Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.