São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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Principais fontes de informação sobre os brasileiros e seus hábitos, pesquisas do IBGE são objeto de polêmica

A caixa-preta do Brasil

Marcelo Billi
da Reportagem Local

O IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) conhece bem os brasileiros. Os técnicos do instituto são capazes de dizer quanto uma família gasta, em média, com comida ou com brinquedos e jogos de azar. É possível saber como a maioria dos brasileiros se alimenta -se pouco ou muito e até se com mais ou menos feijão do que o de costume.
O instituto será o primeiro a saber quando e se o espetáculo do crescimento, prometido várias vezes, ocorrer. O IBGE calcula o PIB (Produto Interno Bruto), conta os brasileiros, sabe quantos somos, como somos, como vivemos, onde moramos e em que condições. É a maior caixa de informações de que alguém pode dispor sobre quem vive no Brasil.
Diz um já batido clichê que informação é poder. Mas, comparado ao Banco Central -que todos os meses decide, ainda que indiretamente, quanto os brasileiros pagarão de juros aos bancos-, o IBGE não é nada poderoso. Por enquanto, as pesquisas de lá só renderam ao instituto a boa reputação que um órgão de pesquisa deve ter.
O que não significa que ter acesso às informações produzidas pela instituição não possa render um bom dinheiro ou, ao menos, um bom argumento. Um exemplo? A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) mostra como os brasileiros gastam seu orçamento mensal. Por meio dela e de outras pesquisas, empresas e consultorias calculam mercados potenciais para produtos que pretendem lançar. Saber antes dos demais as informações que o IBGE divulgará também seria uma fonte de renda segura. Um especulador que soubesse de antemão o comportamento inesperado de um índice faria um bom pé-de-meia apostando na Bolsa, que reagiria, por exemplo, a um resultado de inflação muito mais alto do que o previsto.

Saber hoje o que a maioria das pessoas saberá amanhã também pode ajudar o "bem informado" a se preparar para a reação dos demais: há sempre um aspecto positivo nos dados, e as mesmas estatísticas são interpretadas das formas mais diferentes imagináveis. Quem fica sabendo primeiro tem mais tempo para se preparar para o debate de interpretações que se seguirá. Por essas e outras, o IBGE tem normas claras de divulgação. Consultando o site do instituto (www.ibge.gov.br), vê-se que, em uma quinta-feira, 12 de janeiro de 2006, os técnicos do IBGE divulgarão o índice de inflação do mês anterior. Será o dia em que saberemos se o governo cumpriu ou não a meta de inflação de 2005.
Alguém tem acesso aos dados antes? Sim, muitas pessoas. Em alguns casos, como o da POF, jornalistas e membros do governo recebem a pesquisa com bastante antecedência -às vezes, mais de uma semana. A condição é que nada seja divulgado antes da hora. Em outros casos, alguns membros do governo recebem os resultados poucas horas antes de eles serem apresentados à imprensa.
Por que, então, o alvoroço causado pela medida do Ministério do Planejamento que determina que órgãos públicos devem ter acesso às pesquisas com antecedência, se isso já ocorria? O alvoroço foi conseqüência da inabilidade do governo e da escolha de um inoportuno momento para anunciar a medida.
Ela foi anunciada depois de uma pesquisa do IBGE ter sido criticada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não se conformou com o fato de a POF mostrar um número de brasileiros com excesso de peso superior ao de brasileiros que passam fome.
No final de janeiro, o Ministério do Planejamento baixou uma portaria que deveria "organizar o fluxo de informações". Todo governo, é claro, quer saber antes se algo vai mal -assim pode tentar contornar a notícia ruim. Mas nada abafa uma recessão, tampouco o fato de a obesidade já ser um problema no Brasil.
No mais, as interpretações sobre as pesquisas serão sempre as mais díspares. Isso o governo não poderá evitar. Que o diga o diário norte-americano "The New York Times", que, da POF que mostrava o alto número de gordinhas e gordinhos, concluiu que a garota de Ipanema já era.


Marcelo Billi, 29, repórter do caderno Dinheiro, é economista e leitor assíduo das tabelas e dados fornecidos pelo IBGE.


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