São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 2005

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Pelo fim do terroris mo no trabalho

Nilton Correia
colaboração para a Folha

Pesquisa na América Latina registrou que 76% dos entrevistados têm no emprego o bem mais valioso, independentemente até do sistema político em vigor, se democrático ou não. Isso expõe um assustador quadro de pobreza e vulnerabilidade.
Há um sistema de pressão e descompressão entre patrão e empregado, sendo este último o que mais necessidade tem de conquistar seus direitos fundamentais. O assédio moral reside nessa disputa. O funcionário não se despe de suas vestes de cidadão quando ingressa no local do trabalho, mas a empresa só quer reconhecê-lo como empregado, não como um cidadão.
Temos de estabelecer um ponto de equilíbrio entre a busca do lucro e a preservação da dignidade do trabalhador. Nesse sentido, o Brasil está perdendo o tempo de marcar posição firme contra a degradação, o que nos custará muito caro.


O funcionário não se despe de suas vestes de cidadão quando ingressa no local do trabalho, mas a empresa só quer reconhecê-lo como empregado, não como um cidadão


O Código do Trabalho de Portugal já disciplina o assédio, no artigo 24, definindo-o como o ato que objetive "afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador". O país se prepara agora para aprovar um projeto de lei que criminaliza essa conduta com pena de um a três anos de prisão. Espanhóis e italianos seguem o mesmo rumo e com atraso em relação aos franceses, os primeiros a inserir no Código Penal uma norma punindo esse procedimento patronal. O assunto é antigo na Europa. Existem três atos comunitários estimulando os países-membros a tratarem com rigor o assédio moral.
O Brasil, ao contrário, está distante de obter uma legislação que criminalize o terror psicológico, fato que vem gerando imenso número de vítimas por todo o país. Não há norma trabalhista nem penal. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) passa timidamente pela questão, no artigo 483, e, mesmo assim, só para provocar a rescisão contratual atribuindo a culpa ao empregador. Essa rescisão, porém, é um dos objetivos perseguidos pelo assediador.
Os direitos fundamentais individuais formaram, no passado, um cinturão protetor contra o Estado. No Estado mínimo, muitas atividades foram transferidas para o empresariado que, hoje, toma o lugar do Estado não apenas na ação como na agressão, motivo pelo qual os direitos fundamentais agora são usados contra as empresas, o que nos impõe uma nova ética social. Um quadro de desemprego, pobreza, altas taxas de vulnerabilidade social e excesso de poder nas empresas é um cenário propício para que o assédio moral aconteça. É daí que surgem a falta de auto-estima, as humilhações, as perversões, os tremores, os horrores e o terror psicológico, tornando o funcionário "livremente escravo", dominado, entregue, vencido, dócil, ofertando seus direitos.
O Brasil deve combater o terrorismo no trabalho. E com a urgência que o assunto merece.

Nilton Correia é membro da Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil e presidente, no Brasil, da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho


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