São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Perdi a certeza de quem eu era"

Brasileira que sofreu perseguição do chefe na Organização Internacional do Trabalho pode levar a Comissão Européia de Direitos Humanos a uma jurisprudência inédita na área

Em 2004, a economista brasileira Lena Lavinas, 52, ganhou um inédito processo por assédio moral contra a OIT (Organização Internacional do Trabalho), paradoxalmente a entidade que pretende zelar para que o mundo todo tenha boas relações no ambiente profissional. O caso dela foi parar no Tribunal Administrativo da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, que reconheceu as humilhações e a violência psicológica que ela sofreu na entidade entre 2000 e 2003. Na época, ela era economista sênior em políticas sociais da instituição e trabalhava na sede da OIT, em Genebra.
Apesar da vitória, ela nunca foi indenizada, conforme decretou o Tribunal Administrativo: a OIT se recusa a reconhecer a derrota -e também a comentar o caso de Lena. Como a organização não se submete às leis de nenhum país, a única alternativa da economista agora é levar seu caso para a Comissão Européia de Direitos Humanos.
"Eu era designada pelo meu chefe para missões, viagens para locais distantes como a África do Sul e, logo que chegava, muitas vezes em menos de 24 horas, era chamada de volta a Genebra, com ciência dele, sem poder realizar o trabalho previsto. No retorno, meu chefe perguntava, surpreso, diante dos colegas, a razão da minha volta, sugerindo que eu havia descumprido ordens e compromissos sem prévia autorização dele. Passava por maluca. Aliás, ele passou a me chamar de "crazy" ["louca", em inglês] junto às secretárias que depuseram, mais tarde, a meu favor", conta. "A violência foi tão profunda que perdi a certeza de quem eu era, comecei a me sentir, de fato, desequilibrada. Fui isolada por parte da equipe. Só consegui superar a situação porque entendi que o problema não era eu."
Lena pediu transferência de departamento, negada por seu chefe. Disposta a ir às últimas conseqüências, ela levou seu caso para a ombudsman da OIT, que lhe deu razão nas afirmações contra seu superior e, inclusive, recomendou que ele saísse do cargo. Nada mudou.
"O caso de Lena mostra que a OIT não lhe dava condições de ser bem tratada, de trabalhar com dignidade. Infelizmente, o caso dela não era e não é um caso isolado na OIT e nem no sistema ONU", lamenta David Dror, ex-presidente do sindicato dos trabalhadores da OIT. Além dos protestos de colegas, o caso de Lena motivou juristas independentes, como o juiz inglês Geoffrey Robertson, especialista em crimes contra a humanidade, a analisar o problema dos tribunais da ONU, em particular o da OIT. Uma das passagens da análise que Robertson escreveu para a comissão que analisa a reforma do Tribunal Administrativo da entidade diz que "o tribunal [da OIT] não cumpre as normas de "jus cogens" (as normas imperativas do direito internacional geral) em matéria de direitos humanos que, como tais, deveriam ser uma característica que define qualquer organismo jurídico internacional".

O problema da OIT não é fato isolado na ONU. A OMS (Organização Mundial da Saúde) encomendou um estudo sobre as condições de trabalho de seus funcionários e descobriu que 31,2% deles já sofreram algum tipo de violência psicológica na organização.
Os organismos da ONU mostram a abrangência e a gravidade do problema e as dificuldades em se lidar com ele. Em 1986, a OIT e a OMS fizeram uma conferência conjunta apenas para tratar sobre o estresse entre os trabalhadores. Um dos fatores já conhecidos naquela época eram as humilhações sofridas no trabalho.
"É intolerável constatar que nenhum dos assediadores na OIT foi punido. Todos continuam desfrutando de prestígio, impunidade e poder econômico. Manterão todos os privilégios", lamenta Lena. Ela saiu da organização porque seu contrato de trabalho não foi renovado. Hoje, ela é professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Em 2003, a OIT publicou a cartilha "Impedindo a Violência no Trabalho e Reagindo Contra Ela", para orientar as empresas em casos de humilhação de funcionários. José Carlos Ferreira, diretor-adjunto da OIT no Brasil, afirma que a organização está comprometida com o fim do problema da humilhação no ambiente de trabalho em todos os níveis e em todos os lugares em que aconteça. "Espero que, no futuro, além das negociações financeiras, os sindicatos passem a colocar cláusulas sobre as relações trabalhistas", afirma.
Embora a OIT tenha sido umas das primeiras organizações a debater os problemas do estresse no trabalho e a elaborar medidas de prevenção, ainda não conseguiu resolvê-lo dentro de si mesma. Assim como as empresas que ela visa orientar. Leandro Beguoci


Texto Anterior: Pelo fim do terroris mo no trabalho
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.