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"Perdi a certeza de quem eu era"
Brasileira que sofreu perseguição do chefe na Organização Internacional do Trabalho pode levar a Comissão Européia de Direitos Humanos a uma jurisprudência inédita na área
Em 2004, a economista brasileira Lena Lavinas, 52, ganhou um
inédito processo por assédio moral contra a OIT (Organização
Internacional do Trabalho), paradoxalmente a entidade que
pretende zelar para que o mundo todo tenha boas relações no ambiente profissional. O caso dela foi parar no Tribunal Administrativo
da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, que reconheceu as humilhações e a violência psicológica que ela sofreu na entidade entre 2000 e 2003. Na época, ela era economista sênior em políticas sociais da instituição e trabalhava na sede da OIT, em Genebra.
Apesar da vitória, ela nunca foi indenizada, conforme decretou o Tribunal Administrativo: a OIT se recusa a reconhecer a derrota -e também a comentar o caso de Lena. Como a organização não se submete às
leis de nenhum país, a única alternativa da economista agora é levar seu
caso para a Comissão Européia de Direitos Humanos.
"Eu era designada pelo meu chefe para missões, viagens para locais
distantes como a África do Sul e, logo que chegava, muitas vezes em
menos de 24 horas, era chamada de volta a Genebra, com ciência dele,
sem poder realizar o trabalho previsto. No retorno, meu chefe perguntava, surpreso, diante dos colegas, a razão da minha volta, sugerindo
que eu havia descumprido ordens e compromissos sem prévia autorização dele. Passava por maluca. Aliás, ele passou a me chamar de
"crazy" ["louca", em inglês] junto às secretárias que depuseram, mais
tarde, a meu favor", conta. "A violência foi tão profunda que perdi a
certeza de quem eu era, comecei a me sentir, de fato, desequilibrada.
Fui isolada por parte da equipe. Só consegui superar a situação porque
entendi que o problema não era eu."
Lena pediu transferência de departamento, negada por seu chefe.
Disposta a ir às últimas conseqüências, ela levou seu caso para a ombudsman da OIT, que lhe deu razão nas afirmações contra seu superior e, inclusive, recomendou que ele saísse do cargo. Nada mudou.
"O caso de Lena mostra que a OIT não lhe dava condições de ser bem
tratada, de trabalhar com dignidade. Infelizmente, o caso dela não era e
não é um caso isolado na OIT e nem no sistema ONU", lamenta David
Dror, ex-presidente do sindicato dos trabalhadores da OIT. Além dos
protestos de colegas, o caso de Lena motivou juristas independentes,
como o juiz inglês Geoffrey Robertson, especialista em crimes contra a
humanidade, a analisar o problema dos tribunais da ONU, em particular o da OIT. Uma das passagens da análise que Robertson escreveu
para a comissão que analisa a reforma do Tribunal Administrativo da
entidade diz que "o tribunal [da OIT] não cumpre as normas de "jus
cogens" (as normas imperativas do direito internacional geral) em matéria de direitos humanos que, como tais, deveriam ser uma característica que define qualquer organismo jurídico internacional".
O problema da OIT não é fato isolado na ONU. A OMS
(Organização Mundial da Saúde) encomendou um estudo sobre as
condições de trabalho de seus funcionários e descobriu que 31,2% deles já sofreram algum tipo de violência psicológica na organização.
Os organismos da ONU mostram a abrangência e a gravidade do
problema e as dificuldades em se lidar com ele. Em 1986, a OIT e a OMS
fizeram uma conferência conjunta apenas para tratar sobre o estresse
entre os trabalhadores. Um dos fatores já conhecidos naquela época
eram as humilhações sofridas no trabalho.
"É intolerável constatar que nenhum dos assediadores na OIT foi punido. Todos continuam desfrutando de prestígio, impunidade e poder
econômico. Manterão todos os privilégios", lamenta Lena. Ela saiu da
organização porque seu contrato de trabalho não foi renovado. Hoje,
ela é professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Em 2003, a OIT publicou a cartilha "Impedindo a Violência no Trabalho e Reagindo Contra Ela", para orientar as empresas em casos de
humilhação de funcionários. José Carlos Ferreira, diretor-adjunto da
OIT no Brasil, afirma que a organização está comprometida com o fim
do problema da humilhação no ambiente de trabalho em todos os níveis e em todos os lugares em que aconteça. "Espero que, no futuro,
além das negociações financeiras, os sindicatos passem a colocar cláusulas sobre as relações trabalhistas", afirma.
Embora a OIT tenha sido umas das primeiras organizações a debater
os problemas do estresse no trabalho e a elaborar medidas de prevenção, ainda não conseguiu resolvê-lo dentro de si mesma. Assim como
as empresas que ela visa orientar. Leandro Beguoci
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