São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

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Feios, sujos e malvados?

Mario Sergio Cortella
especial para a Folha

Há exatas três décadas, foi lançado no Brasil um clássico filme de Ettore Scola chamado "Nós que Nos Amávamos Tanto". Trata-se de um relato emocionado das aventuras e rupturas, sonhos e decepções, projetos e desistências na vida de uma geração de amigos que crescem e fracassam juntos.
O título da obra e o seu conteúdo lembram muito a forte nostalgia que vários de nós professores ainda temos quando nos referimos ao convívio entre docentes e discentes no passado. Falamos sobre a sala de aula de um passado não tão distante como um lugar no qual imperava o respeito, a civilidade e a autoridade.
Hoje, uns resignados, outros revoltados, não são poucos os que adentram a escola com uma sensação de serem alvos de uma conspiração injusta. Afinal, dizemos, o que se aspira é o bem dos alunos e é com indiferença e indisciplina que eles reagem?
O que aconteceu nas salas de aula ao longo desses anos? A alegria sumiu? A vontade de partilhar se rompeu? O que nós, professores, temos em classe? Insolência, rejeição, ojeriza, indiferença, agressividade, desprezo? Quem já não nos ouviu comentar que "os alunos de hoje não são mais os mesmos"? Até aí, isso é mera demonstração de sanidade. Insano é pensar que os alunos não são mais os mesmos e continuar dando aulas exatamente do mesmo jeito que antes.
Às vezes, entramos em sala de aula e, ao olharmos para os alunos, expiramos profundamente. Ora, quem expira em excesso dificilmente inspira alguém.
Cautela! Nessa toada, em breve vamos nos limitar a constatar que "eles" são, recuperando outro título de Scola, feios, sujos e malvados.
É preciso suspeitar de certas convicções que ainda carregamos. A alegria não se ausentou, apenas mudou de lugar em uma sociedade na qual há outras fontes de saber mais dinâmicas que a escola precisa incorporar. A vontade de partilhar não se rompeu, deu lugar a uma intercomunicação na qual os mais jovens também têm bastante a nos ensinar. Por isso, proclamemos: "eles" não nasceram prontos! São vítimas de descaso e incompetência coletiva da qual nós, os adultos, temos boa parte da autoria.


Mario Sergio Cortella, 51, é filósofo e professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em Educação (Currículo) da PUC-SP. É autor, entre outras obras, de "A Escola e o Conhecimento" (Cortez), "Não Espere Pelo Epitáfio - Provocações Filosóficas" (Vozes) e, com Yves de La Taille, do recém-lançado "Nos Labirintos da Moral" (Papirus)


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