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André Conti

Fracassar bem para fracassar sempre

Alguns fracassos envolvem tantos fatores que a tecnologia em si acaba ficando em segundo plano

Passei o ano de 1993 juntando dinheiro para comprar um Sega Activator. Tinha lido na "Ação Games" que esse controle especial para o Mega Drive, uma espécie de avô tísico do Kinect, seria lançado no Brasil até o Natal.

Fiz o que pude, mas não alcancei o valor e acabei praticando uma "joint venture" com o bom velhinho. Cheguei à minha casa tarde da noite e fui direto testar o bicho. Era um octógono de plástico, de aspecto espantosamente fuleiro. O jogador deveria ficar no centro do Activator, que reproduziria seus golpes e ações no jogo.

Desferi inúmeros socos e chutes, mas nada acontecia na tela. Cada movimento exigia um misto de contorcionismo e sorte, e a resposta era lenta e ineficaz. Desmontei a sala achando que era um problema de espaço, mas o controle nunca funcionou direito e logo foi trocado por duas fitas.

O Activator foi um dos grandes fracassos da Sega, equivalente àquela Power Glove infecta da Nintendo. Nesses dois casos, é fácil entender as razões da derrota: os produtos eram ruins e quase inoperantes.

Mas a Sega também fracassou com o Dreamcast, que era o console mais avançado da época. Nem o pioneirismo tecnológico bastou: depois do anúncio do PlayStation 2, do GameCube e do Xbox, o Dreamcast parou de vender, e a Sega nunca mais lançou um console.

Alguns fracassos tecnológicos envolvem tantos fatores -timing, marketing, expectativa do público- que a tecnologia em si acaba ficando em segundo plano.

A Apple que o diga: investiu os tubos no Newton, o primeiro PDA, mas nunca conseguiu alcançar um mercado maior do que a própria base de consumidores da empresa. A tecnologia estava lá, mas o público não a acompanhou.

Tempos depois, a Palm diminuiu o Newton de tamanho e vendeu milhões de aparelhinhos. Ironicamente, o iPhone (que ajudou a sepultar o mercado de PDAs) se valeu de algumas ideias do Newton.

Mas talvez o iPhone nem existisse se a QuickTake, a câmera digital da Apple, tivesse dado certo. Hoje tida como a primeira do gênero, ela estava tão à frente de seu tempo que teve pouca serventia. A câmera digital só foi pegar mesmo com a internet e as redes sociais.

A Microsoft é outra que acumula fracassos (como toda empresa desse porte, aliás). Tem gente que até hoje defende o Zune como o melhor tocador de MP3 que já existiu, mas nunca conheci alguém que tivesse o aparelho.

Em termos de Microsoft, no entanto, nenhum fracasso pode ser maior do que o Bob. Anunciado com alarde na época do Windows 95, o Bob ofereceria uma interface operacional simplificada e acessível ao usuário.

No Bob, o desktop era uma casa, e cada quarto cumpria uma função (aplicativos, configurações etc.). O usuário podia decorá-los como quisesse, transformando o PC numa experiência mais familiar.

O visual infantiloide e condescendente afastou os usuários. O grande legado do Bob foram os assistentes da Microsoft, que evoluíram para aquele clipe sabichão e embaraçoso do Word. Prova de que nem sempre aprendemos com as nossas derrotas.

chorume.org
@andre_conti

LULI RADFAHRER escreve neste espaço na próxima edição. Leia a coluna desta semana em www.folha.com/luliradfahrer

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