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Luli Radfahrer

O meu é maior do que o seu

Um despertador que tuíta me fará acordar mais cedo?

Já houve um tempo em que a medição pessoal e comparativa era uma prática deplorável, competitiva, coisa de menino. Não mais. À medida que sensores biométricos deixam hospitais e salas de fisioterapia para serem vendidos como acessórios esportivos, digitais e conectados, o registro do desempenho passa a fazer parte da identidade pessoal.

Aparelhos móveis com sensores de calor, proximidade, movimento e geolocalização podem ser carregados o dia todo próximo a seus usuários, funcionando ao mesmo tempo como agentes de motivação e coletores de informação. Conectados a eles, novos smartphones registram peso, medidas, batimentos cardíacos, mudanças de humor, efeitos de medicação, níveis de atividade física, consumo de água, de café e de calorias em geral. Cada informação, analisada, é armazenada em bases de dados e publicada nas redes sociais.

Sob certos aspectos esse novo tipo de exposição vai além de qualquer definição de privacidade. Compartilhar dados íntimos como a qualidade do sono ou o índice de massa corporal com estranhos parece, à primeira vista, uma forma patológica de narcisismo. Por mais que seja inegável uma certa vaidade entre seus usuários, o objetivo dos diários coletivos é outro: o grupo funciona como incentivo e estímulo às conquistas pessoais, que podem ser dos tradicionais redução de peso e aumento de percurso em corrida até ao controle de estresse.

O fenômeno, em sua essência, não é completamente novo. Grupos de apoio como os Vigilantes do Peso e os Alcoólicos Anônimos usam há muito tempo o compartilhamento de histórias e o apoio do grupo para ajudar seus membros a superar crises. O que as novas redes ganham com a tecnologia é a comodidade para coletar, armazenar e compartilhar dados com pouco esforço, permitindo que as atividades em grupo sejam feitas à distância, no momento em que for mais conveniente.

É um novo estágio para a interação social. Depois da digitalização das cartas por e-mail, das conversas por SMS e mensagens instantâneas, dos pontos de vista por Pinterest e Instagram, dos históricos pessoais e preferências pelo Facebook e dos estados de espírito pelo Twitter, parece ter chegado a vez da atividade física, que de coletiva foi individualizada. Não demorará para que alguns esportes sigam o mesmo caminho.

Vivemos em um ambiente cada vez mais cibernético e social, em que as fronteiras entre o físico e o digital e entre o pessoal e o coletivo se tornam cada vez mais difusas. Como nas outras interações virtualizadas, perde-se intensidade para ganhar abrangência. Indivíduos que não tinham estímulo para se movimentar agora podem contar com o apoio de um grupo, mesmo que distante, para sair do sofá. As métricas pessoais geradas por esses aparelhos podem ajudar a identificar vícios de postura, problemas de saúde e maus hábitos que talvez passassem despercebidos até que causassem problemas graves.

Da mesma forma que as contas e os extratos de banco ajudam a compreender a movimentação financeira, os infográficos gerados por esses dispositivos permitem uma avaliação contínua e sistemática do próprio corpo, o que naturalmente leva a maior autoconhecimento, reflexão e aprendizado. Mais do que vitrine exibicionista ou casa sem cortinas, eles podem servir como um grande espelho que, ao refletir ações, ajude a redefinir identidades.

folha@luli.com.br

ANDRÉ CONTI
escreve neste espaço na próxima semana

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