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Luli Radfahrer

Todos devem fotografar

A popularização das imagens nas redes sociais facilita a alfabetização visual

Hoje todo o mundo acredita que é fotógrafo. A situação é crítica para os profissionais da área, obrigados a enfrentar a concorrência desleal de amadores munidos de iPhones, câmeras de bolso e Photoshop. O aumento da oferta diminui a remuneração a ponto de ser difícil sustentar estúdio e equipamento, mesmo que este também tenha barateado com as tecnologias digitais.

A democratização da imagem era esperada e não é má notícia. A crise que ela provocou pode ser tão efêmera quanto a que sofreu o design gráfico quando surgiram a editoração eletrônica e seus efeitos colaterais muito positivos. Quando há mais profissionais há um aumento da produção e uma melhoria da qualidade, por mais que o processo demore para se concretizar.

Até a metade do século passado a comunicação era quase só verbal. Fazer e consumir imagens era reservado a experiências místicas ou a privilegiados, normalmente na forma de arte. Como poucos compreendiam sua importância ou aplicação prática, programas de ensino valorizaram a redação, a matemática e outras formas de ciência simbólica, em detrimento de qualquer órgão dos sentidos. O resultado é que boa parte do mundo adulto hoje é analfabeta funcional para cores, imagens, toques, cheiros, gostos e sons. Pessoas esclarecidas conseguem identificar sutilezas e contradições em textos e são capazes de recontá-los com suas próprias palavras, mas poucos imaginam formas de recriar músicas, pratos ou até carícias.

Não seria um grande problema se a mídia permanecesse falada ou escrita. Mas o cinema, a TV e a publicidade perceberam o poder de uma mensagem capaz de ser identificada mas não interpretada e passaram a bombardear seus públicos com imagens coloridas, animadas e sensuais. Atordoados, muitos ainda creem que as figuras esqueléticas e retocadas das modelos são de verdade e se fascinam com as catedrais de consumo das lojas-conceito, incapazes de "ler" adequadamente as mensagens que transmitem. A internet e os videogames amplificaram esse ambiente multimídia, onde quem não sabe ver é considerado um caipira ingênuo e acaba segregado. Ou ludibriado.

A fotografia sempre foi o primeiro passo para a educação visual. Mas, até o surgimento das câmeras digitais, o custo dos filmes e revelações para chegar a um nível satisfatório de conhecimento era tamanho que muitos o consideravam desnecessário. Mesmo populares, as imagens ainda eram poucas, quase todas destinadas ao registro dos acontecimentos, raramente usadas para a expressão pessoal.

O VHS começou a mudar o cenário, as câmeras digitais facilitaram a prática, a web publicou o mundo todo e as mídias sociais transformaram fotografias em parte obrigatória da identidade. Como há pouca alfabetização visual, ainda estamos rodeados de moças fazendo biquinho, executivos de braços cruzados, grupos organizados como barreiras de futebol e muitas fotos de pratos de comida e praias no pôr-do-sol.

É o começo de uma busca por alfabetização. Os efeitos especiais de redes como o Instagram ensinam cor, enquadramento e foco a muitos que não teriam tempo, paciência ou recursos para aprendê-los pelas vias normais. A aura de mistério que revestia os fotógrafos desapareceu e não voltará, mas à medida que todos estiverem bombardeados com imagens e forçados a produzi-las é bem possível que o valor de uma boa composição volte a ser reconhecido e valorizado.

folha@luli.com.br

ANDRÉ CONTI
escreve neste espaço na próxima semana

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