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André Conti

Perseguindo fantasmas

Dois documentários retratam recordistas de videogames, mestres de jogos como "Pac-Man"

De todos os avanços na transmissão da Olimpíada, o meu favorito foi aquele indicador do recorde mundial, que faz com que o atleta literalmente persiga a marca durante o evento. Gosto porque a barrinha adiciona uma segunda camada de dramaticidade para o telespectador.

No caso dos fliperamas, o recorde está sempre diante do jogador, as três iniciais que indicam até onde chegaram naquela máquina. Por conta do espírito olímpico, decidi rever dois documentários sobre recordistas mundiais de videogames, mestres em categorias tão familiares quanto "Donkey Kong", "Space Invaders" e "Pac-Man".

Pode parecer bobo, mas, em termos de jogos eletrônicos, nada se equipara em brutalidade aos clássicos da era dos fliperamas. Basta notar que o primeiro "jogo perfeito" de "Pac-Man" só veio em 1999, quase duas décadas após o lançamento da máquina. O autor do feito foi Billy Mitchell, tido por muitos como o maior jogador da história. Durante seis horas, ele conduziu Pac-Man por todos os pontos, todos os bônus e comeu todos os fantasmas em todas as telas do jogo. Se deixasse de pegar uma bolinha que fosse, o esforço teria sido em vão.

Mitchell é personagem central nos dois documentários. "King of Kong: For a Fistful of Quarters" (algo como "Rei do Kong: Por um Punhado de Moedinhas"), de 2007, fala da rivalidade de Mitchell, retratado como um empresário arrogante e megalomaníaco, com o professor Steve Wiebe, que desafia seu placar lendário em "Donkey Kong".

O filme causou controvérsia, e os documentaristas foram acusados de manipular informações para criar um drama artificial. Por conta de uma série de omissões, Mitchell, com seu penteado extravagante e gravata estampando a bandeira dos EUA, e Walter Day, responsável por anotar os recordes mundiais, se saem como vilões meio patéticos numa trama de conspiração.

Exageros à parte, "King of Kong" revela um mundo de vaidades, disputas acirradas, ressentimento e, principalmente, nostalgia.

Os clássicos são sempre "mais puros", "mais simples" e infinitamente "mais desafiadores" que os jogos atuais. Para muitos ali, o mundo acabou com a introdução do sistema de "continue", que prolonga a partida mediante outra ficha. "Quer bater um recorde mundial hoje?", pergunta Mitchell, "e quanto dinheiro você tem?".

Como retrato desse grupo, o melhor documentário é "Chasing Ghosts" ("Perseguindo Fantasmas"), de 2005. O filme vai atrás de jogadores fotografados pela revista "Life" em 1982, numa matéria sobre os recordistas americanos.

Sem a intriga forçada de "King of Kong", somos apresentados a uma dezena de senhores de meia-idade que relembram seus dias de glória. São contadores, analistas de sistemas, colecionadores compulsivos e até um pastor, todos alçados do anonimato à fama e de volta ao anonimato num instante.

Se há algo de melancólico no filme, ele também revela um tipo de obsessão muito similar à dos atletas olímpicos. As disputas pertencem a outra esfera, claro, mas acabam sendo tão dramáticas e retumbantes quanto. Quem se importa se a glória não é a mesma.

chorume.org
@andre_conti

LULI RADFAHRER
escreve neste espaço na próxima edição. Leia a coluna desta semana em www.folha.com/luliradfahrer

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