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André Conti

Tente outra vez

É o problema que começa como uma goteira: de caso pequeno, vira um desacordo. É uma batalha de nervos

Estes dias, enquanto travava uma guerra com meu roteador, lembrei de uma história que ouvi sobre um colecionador de livros e a natureza da obsessão. Aparentemente, um dos itens mais cobiçados pelos bibliófilos brasileiros é a primeira edição de "O Guarani", de José de Alencar. Esse colecionador descobrira que um armador grego estava vendendo um exemplar.

Foi até Paris encontrá-lo e passou uma semana negociando, num hotel. Quando enfim conseguiu o livro, embarcou para o Brasil. A edição lendária de "O Guarani" acabou ficando no avião, naquela bolsa com as instruções de segurança e o saquinho para "imprevistos".

Minha edição do livro é mais modesta (e talvez menos manuseada), mas acho que consigo entender a motivação. Ou pelo menos me pareceu, depois de uma semana tentando fazer com que a rede interna de casa funcionasse.

É o tipo de problema que começa com uma pequena goteira. No caso, um documento que a impressora se recusava a imprimir. Mesmo não estando diretamente ligada no PC, ela aparecia ali, "pronta para uso".

O que era um simples caso de imprimir o documento no outro PC logo escalonou para um desentendimento entre as duas máquinas do escritório. Arquivos que deviam estar indo de um computador para o outro permaneciam teimosamente em suas pastas. O Macintosh, num momento Camp David, tentou interceder e foi barrado da internet.

É uma batalha de nervos. Conforme nada conectava a lugar nenhum, o computador seguia dizendo que não havia problemas. Sem janelas de erro ou qualquer outro indício, acabei culpando o roteador, já não lembro bem por quê.

Era uma oportunidade de ouro para implementar um projeto antigo, de instalar uma VPN ("virtual private network", ou rede virtual privada) no roteador. As VPNs servem, entre outras coisas, para se conectar à internet com o endereço IP de outro país. É como os chineses furam o bloqueio do governo. É como eu assisto a séries.

A vantagem de se instalar a VPN num roteador é que todos os apetrechos podem usufruir da conexão. Já que eu ia reconfigurar o roteador, não custava, enfim, fazer o serviço.

O processo parecia relativamente simples. Depois de trocar o software interno do roteador, o próprio site da VPN se encarregaria da configuração. Caso isso não funcionasse, bastava seguir as instruções e acertar parâmetros manualmente.

Trocar o firmware foi trabalho para dois dias. Absolutamente nada do que as instruções previam acontecia. Clique "ok" e uma janela vai aparecer. Onde? Aperte "seguir" e o modem vai piscar. Quando?

Acabei apelando ao suporte técnico, o que considero uma derrota pessoal. Por sorte, havia um ser humano do outro lado, e, depois de duas horas, conseguimos que o roteador aceitasse o novo programa. Bastava configurar a rede. "Clique aqui, senhor." Mais três dias.

Acabei conseguindo que a rede, a VPN, o roteador e a impressora se entendessem. Tal como livro esquecido no avião, o primeiro filme que assisti nas novas instalações foi devidamente alugado a duas quadras de casa. A graça está em negociar com armadores gregos e atendentes indianos. O resto não importa.

chorume.org
@andre_conti

LULI RADFAHRER
escreve neste espaço na próxima semana

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