São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2010

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#PRONTOFALEI

LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br

O mundo pacato em que vivíamos

JÁ HOUVE ÉPOCA em que poucos sabiam da existência da internet. Os que sabiam, a maioria técnicos, não viam nela muito além dos processos. Os computadores, cabos e protocolos que a compunham formavam, para eles, conjunto tão banal e fascinante quanto um sistema de transmissão elétrica. Quinze anos depois, com as redes cada vez mais evaporadas dentro da "nuvem", fica claro como eles tinham razão.
O mundo conectado surgiu como prótese e se transformou em infraestrutura, a ponto de quase só ser percebido quando falha, como a coleta de lixo. Defini-lo é quase tão difícil quanto pensar na vida pacata e primitiva que se levava há pouco tempo, quando não havia rede de informações mais eficiente do que a fofoca e a ideia mais próxima do virtual era o Paraíso. O mundo em que o trabalho acaba ao sair do escritório e em que alguém pode estar verdadeiramente indisponível parece bucólico, mesmo que a maioria dos leitores desta coluna tenha vivido nele por um tempo razoável.
O ser humano é uma máquina de adaptação. Isso fica ainda mais evidente quando se percebe que a maioria das coisas que achamos "normais" foi inventada nesta década. O próprio ano 2000, que muitos achavam que seria o futuro, mal tinha Google. Não tinha Wikipédia. Os inventores de muitas das mídias sociais mal tinham entrado na faculdade. Alguns ainda eram crianças.
O cenário mudou, todos se tornaram mais acelerados, produtivos e angustiados. Mas as histórias e seus personagens continuam os mesmos. Boas narrativas da década de 50 não falavam do crescimento da aviação comercial ou da urbanização. Livros dos anos 70 mal citam o computador. O Facebook só virou filme ao chegar perto do meio bilhão de usuários. As boas histórias atuais não se preocupam com o Twitter. O mesmo pode se dizer das músicas.
Muita coisa muda em um ambiente digital, e ao mesmo tempo, nada muda. São as relações humanas de sempre que agora são automatizadas e ganham dimensões maiores e mais frequentes. Quem discute o fim da web parece não se dar conta de que, na verdade, foi a internet que desapareceu. Ela se tornou um organismo vivo e transparente, parte integrante da vida de uma forma tão significativa que explicá-la demanda um enorme esforço. E mal começou.


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