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#PRONTOFALEI
LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br
O mundo pacato em que vivíamos
JÁ HOUVE ÉPOCA em que
poucos sabiam da existência
da internet. Os que sabiam, a
maioria técnicos, não viam
nela muito além dos processos. Os computadores, cabos
e protocolos que a compunham formavam, para eles,
conjunto tão banal e fascinante quanto um sistema de
transmissão elétrica. Quinze
anos depois, com as redes cada vez mais evaporadas dentro da "nuvem", fica claro como eles tinham razão.
O mundo conectado surgiu
como prótese e se transformou em infraestrutura, a
ponto de quase só ser percebido quando falha, como a
coleta de lixo. Defini-lo é quase tão difícil quanto pensar
na vida pacata e primitiva
que se levava há pouco tempo, quando não havia rede de
informações mais eficiente
do que a fofoca e a ideia mais
próxima do virtual era o Paraíso. O mundo em que o trabalho acaba ao sair do escritório e em que alguém pode
estar verdadeiramente indisponível parece bucólico, mesmo que a maioria dos leitores
desta coluna tenha vivido nele por um tempo razoável.
O ser humano é uma máquina de adaptação. Isso fica
ainda mais evidente quando
se percebe que a maioria das
coisas que achamos "normais" foi inventada nesta década. O próprio ano 2000,
que muitos achavam que seria o futuro, mal tinha Google. Não tinha Wikipédia. Os
inventores de muitas das mídias sociais mal tinham entrado na faculdade. Alguns
ainda eram crianças.
O cenário mudou, todos se
tornaram mais acelerados,
produtivos e angustiados.
Mas as histórias e seus personagens continuam os mesmos. Boas narrativas da década de 50 não falavam do
crescimento da aviação comercial ou da urbanização.
Livros dos anos 70 mal citam
o computador. O Facebook
só virou filme ao chegar perto
do meio bilhão de usuários.
As boas histórias atuais não
se preocupam com o Twitter.
O mesmo pode se dizer das
músicas.
Muita coisa muda em um
ambiente digital, e ao mesmo
tempo, nada muda. São as
relações humanas de sempre
que agora são automatizadas e ganham dimensões
maiores e mais frequentes.
Quem discute o fim da web
parece não se dar conta de
que, na verdade, foi a internet que desapareceu. Ela se
tornou um organismo vivo e
transparente, parte integrante da vida de uma forma tão
significativa que explicá-la
demanda um enorme esforço. E mal começou.
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