São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2010

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Contra-ataque pornô

Literatura de conteúdo sexual chega de graça ao e-reader da Amazon e ganha espaço nas listas de mais baixados

JAMES LEDBETTER
DA "SLATE"

Enquanto escrevo este artigo, no final de setembro, o item com maior número de downloads no Kindle da Amazon é o romance escrito por Jenna Bayley-Burke chamado "Compromising Positions" (Posições comprometedoras).
Vejamos uma parte da descrição do enredo: "David Strong sabe fazer muitas coisas, como dirigir uma empresa internacional de fitness, administrar habilmente carteiras de ações e se manter longe de envolvimentos emocionais. Isso, porém, até ele se envolver com Sophie Delfino e o seu método de exercícios "Sensational Sex" [Sexo sensacional]. Sua tarefa é ajudá-la a demonstrar posições do Kama Sutra aos casais de sua aula de ioga.
Inesperadamente, ele vê seus limites de autocontrole sendo testados por ela".
Você não encontra "Compromising Positions" na lista do mais vendidos do "New York Times" ou do "USA Today". Como, então, ele se tornou o item principal no Kindle, ultrapassando o romance "Freedom" (Liberdade), de Jonathan Franzen? Por causa do preço. Comprar a versão impressa na Amazon custa US$ 10,20, mais frete. A versão para o Kindle é grátis, e a entrega é instantânea.

ESTRATÉGIA
Christina Brashear, editora da Samhain Books, explica que costuma deixar um título por série disponível gratuitamente durante duas semanas, apostando que alguns leitores pagarão pelos próximos títulos publicados.
Com base no desempenho da promoção gratuita de agosto, "Venus in Blue Jeans" (Vênus em jeans azuis), é razoável prever que, aproximadamente, 35 mil pessoas baixarão "Compromising Positions" durante o seu período promocional.
Embora poucas pessoas ousem testar a oferta gratuita de Samhain com um livro físico, ela parece estar funcionando digitalmente.
Muitos setores não considerariam "Compromising Positions" pornografia, e com boas razões. Durante décadas, histórias de amor e livros de ficção para mulheres têm empregado abertamente passagens de sexo explícito, com as quais os leitores aparentemente sentem-se à vontade, desde que elas estejam empacotadas em algo que um comentarista da Amazon rotulou de "uma história bem escrita de amor profundo e comprometimento emocional". O desempenho brilhante desse romance no Kindle representa pouco mais do que conhecimento de marketing tecnológico aplicado a um gênero literário há muito tempo existente.
Porém, conforme baixamos a barra de rolagem da lista de ofertas do Kindle, é impossível não notar todas as leituras sensuais que parecem estar direcionadas para adultos. Tomemos como exemplo o romance chamado "Office Slave" [Escrava do escritório], no qual uma atraente diretora financeira é flagrada desviando bens da empresa em que trabalha.
Em vez de ir presa, ela aceita a proposta do seu chefe de se transformar em escrava sexual da fábrica. Ela é forçada a vestir roupas indecentes (ou a não se vestir) no trabalho; ele a filma em momentos íntimos; instrui os colegas a baterem nela como pagamento por suas transgressões. E sabe o que mais? Sem se importar com a forma que é fisicamente abusada e mentalmente degradada, ela na verdade acaba sentindo prazer.
Isso é pornografia? Bem, se estivesse lendo algo desse tipo, você contaria à sua mãe? Vejamos esse outro teste: há dezenas de milhares de cenas de sexo em romances possíveis de imaginar sendo fotografadas ou filmadas de uma forma que não seja necessariamente pornográfica.
Entretanto, qualquer filmagem fiel de, digamos, "Os 120 Dias de Sodoma" de Marquês de Sade e, suponhamos, de "Office Slave", irá incluir momentos de pura pornografia.
E, se isso não se encaixa com a sua definição, há livros do Kindle por um valor de US$ 5 ou menos abordando incesto, servidão sexual, estupro e bestialidades.
Como o Kindle, o casamento da pornografia com o e-reader é relativamente novo; a maior parte dessa literatura foi adicionada à livraria do Kindle nos últimos 18 meses, aproximadamente.

TENDÊNCIA HISTÓRIA
Do ponto de vista da tecnologia, qualquer pessoa que tenha assistido ao filme "Boogie Nights Prazer Sem Limites" seria capaz de prever esse desenvolvimento.
Sempre que uma plataforma de mídia importante (papel impresso, filme, TV a cabo, VHS, DVD, internet e telefone celular) registra um forte crescimento, ele foi guiado por um aumento súbito da pornografia ou, pelo menos, por um envolvimento com a indústria pornográfica -a exceção é provavelmente o rádio.)
Para as pessoas que têm criticado os filtros recatados da Apple, a liberalidade da Amazon talvez seja algo a ser celebrado (embora a Amazon também tenha sido alvo de críticas por causa do modo como categoriza livros de temática gay e lésbica). Como estratégia, vender produtos abaixo de seu próprio custo, oferecendo gratuitamente histórias picantes, pode ser uma boa forma de vender mais e-readers Kindle.
Apesar disso, é difícil acreditar que a Amazon possa enveredar pelo caminho da propagação de pornografia barata e gratuita sem recuar diante de grupos cristãos e conservadores. No caso de esses protestos surgirem, a Amazon terá de tomar uma decisão.
A questão é: compensa para a empresa despertar o interesse pelo Kindle por meio de brindes com conteúdo erótico, ou poderá a presença de livros eletrônicos como "Compromising Positions" no topo da lista da Amazon manchar a reputação dos e-readers?

Tradução de
FABIANO FLEURY DE SOUZA CAMPOS


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