São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANDRÉ CONTI

Um jogo só seu


Games não dependem de trama ou personagem; sua graça está na relação única que travam com o jogador

Aproveitei o feriado para jogar Battlefield 3, a aguardada continuação da série de guerra da Eletronic Arts. Não sou muito de jogos de tiro on-line, em primeira pessoa: a morte sempre vem rápido demais, e a humilhação nunca é pouca. Tente não odiar a juventude sendo derrotado continuamente por um sujeito de 11 anos. Tente.
Mas há um momento em que tudo funciona. Você e mais dois soldados invadem a base inimiga, enquanto alguém dá apoio aéreo. Ao mesmo tempo, outro batalhão chega por uma entrada subterrânea, e os tanques destroem as torres de defesa. A ação dura 20 segundos, e você morre de novo, mas não importa. As horas seguintes se destinam a recriar esse breve sentimento.
Todo jogador de Zelda conhece o som da vitória. É o mesmo desde o lançamento da série, há 25 anos. Resolva um quebra-cabeça, abra uma porta secreta, avance num momento mais difícil e lá vem ele: um tilintar discreto e agudo, indicando que você superou o desafio.
A "badalada Zelda", como é chamada, preenche a alma feito um bálsamo. É a recompensa do esforço e de um raro momento de inteligência. Embora tenha uma função narrativa, seu efeito pertence a outra esfera, mais particular. O fim do jogo será o mesmo para todos. Mas o caminho até lá foi só seu.
O sentimento é comum a outros jogos não-lineares, como a série de exploração Metroid, também da Nintendo. Desde o início, o jogador se depara com inúmeras portas e passagens inacessíveis. Conforme avança, vai adquirindo armas e equipamentos que dão acesso a essas áreas que estavam bloqueadas. Ele então precisa refazer os passos e voltar ao início, abrindo o que deixou para trás.
Parece pouco, mas é o sustentáculo de todo um gênero, conhecido como "metroidvania", junção de Metroid e Castlevania, outra série que vai na mesma linha. Por ser o jogador que traça suas próprias rotas, há algo de íntimo no trajeto. Como no livro "O Turista Acidental", sobre um autor de guias turísticos que detesta viajar, você elege marcos que remetem ao que viveu -uma estátua, um tipo de vegetação etc.- para se guiar melhor.
Ao fim, o mapa do jogo passa a pertencer a você de maneira única, como se tivesse passado uma temporada numa cidade estrangeira. Novamente, o jogo é o mesmo para todos, mas a experiência é a mais individual possível.
Há alguns anos, o crítico de cinema Roger Ebert escreveu que videogames jamais poderiam ser arte. Cada vez mais criadores e jogadores reivindicavam esse estatuto, mas Ebert argumentava que o controle sobre o desfecho da trama que os jogos oferecem ia contra a definição de arte. Tempos depois, em outro texto, ele foi ligeiramente menos irredutível, mas ainda não aceitou que se comparasse um jogo a uma obra de Shakespeare, por exemplo.
O que parece óbvio. A graça é que os jogos não dependem da trama e dos personagens para travar uma relação com o jogador. Há um tipo de experiência pessoal, que ocorre nesse universo de regras e objetivos, totalmente único aos jogos.
Pode ser um momento, um som ou simplesmente encontrar um novo caminho. Se é arte ou não, pouco importa. Mas é só seu.

chorume.org

@andre_conti


FOLHA.com
LULI RADFAHRER
Leia a coluna desta semana em

www.folha.com/luliradfahrer


Texto Anterior: Mais limpo, novo Gmail facilita as configurações
Próximo Texto: Google mira conteúdo de TV com parcerias
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.