São Paulo, quarta-feira, 17 de novembro de 2010

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#PRONTOFALEI

LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br

Crianças na Terra do Sempre

SILENCIOSAMENTE, o mundo se torna infantil. As formas e as cores das interfaces são cada vez mais arredondadas, vívidas e ilustradas; os serviços se assemelham a jogos; os produtos se tornam servis e as empresas se rendem aos caprichos de seus consumidores. Que espécie de carência afetiva demanda esse comportamento?
Uma pista é que o mundo está cada vez mais urbano. O Índice de Aglomeração do Banco Mundial aponta que 90% da população está localizada a um máximo de 48 horas de viagem de uma grande cidade. É muita gente reunida, e, ao mesmo tempo, isolada. A ausência de contato íntimo contribui para que o indivíduo se sinta indefeso e valorize quem o proteja.
A condição se agrava quando se consideram a velocidade e a intensidade das mudanças. Sem referências sólidas em seu ambiente, é natural que muitos busquem símbolos da época em que o mundo era estável e as certezas, muitas. Não é preciso ser psicólogo para se perceber que essa época é uma releitura da infância.
O ambiente digital não é muito diferente de um parque infantil em sua ânsia por controlar o mundo e manter as experiências estranhas à distância. No grande jardim da infância dos eletrônicos, cada um é decorador de sua própria vida e círculo social, ao escolher os objetos que o cercarão e como se relacionará com eles.
Crianças escrevem seu nome nas coisas que possuem. Adolescentes rabiscam mochilas e cadernos dos colegas, trocam adesivos e colecionam penduricalhos. Os que se definem como "adultos" personalizam computadores, celulares e automóveis. Cercados de produtos de comportamento infantil, é natural que tomem decisões cada vez mais restritas e limitadas, cheias de certezas e preconceitos típicos da infância.
Até há pouco tempo, ninguém falava com seus objetos, nem esperava deles uma resposta afetiva. Isso era coisa de criança. Hoje somos cada vez mais parecidos com o Calvin dos quadrinhos, cujo melhor amigo era um tigre de pelúcia que só interagia com ele e era inerte para o resto do mundo.
A popularidade dos produtos lúdicos está diretamente ligada à forma como as pessoas entendem seus papéis na sociedade. Se crianças são forçadas a agir como adultos e adultos querem cada vez mais se divertir como crianças, há algo de errado.


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