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#PRONTOFALEI
LULI RADFAHRER - folha@luli.com.br
Crianças na Terra do Sempre
SILENCIOSAMENTE, o mundo se torna infantil. As formas
e as cores das interfaces são
cada vez mais arredondadas,
vívidas e ilustradas; os serviços se assemelham a jogos;
os produtos se tornam servis e
as empresas se rendem aos
caprichos de seus consumidores. Que espécie de carência afetiva demanda esse
comportamento?
Uma pista é que o mundo
está cada vez mais urbano. O
Índice de Aglomeração do
Banco Mundial aponta que
90% da população está localizada a um máximo de 48 horas de viagem de uma grande
cidade. É muita gente reunida, e, ao mesmo tempo, isolada. A ausência de contato íntimo contribui para que o indivíduo se sinta indefeso e valorize quem o proteja.
A condição se agrava
quando se consideram a velocidade e a intensidade das
mudanças. Sem referências
sólidas em seu ambiente, é
natural que muitos busquem
símbolos da época em que o
mundo era estável e as certezas, muitas. Não é preciso ser
psicólogo para se perceber
que essa época é uma releitura da infância.
O ambiente digital não é
muito diferente de um parque
infantil em sua ânsia por controlar o mundo e manter as
experiências estranhas à distância. No grande jardim da
infância dos eletrônicos, cada um é decorador de sua
própria vida e círculo social,
ao escolher os objetos que o
cercarão e como se relacionará com eles.
Crianças escrevem seu nome nas coisas que possuem.
Adolescentes rabiscam mochilas e cadernos dos colegas, trocam adesivos e colecionam penduricalhos. Os
que se definem como "adultos" personalizam computadores, celulares e automóveis. Cercados de produtos de
comportamento infantil, é natural que tomem decisões cada vez mais restritas e limitadas, cheias de certezas e preconceitos típicos da infância.
Até há pouco tempo, ninguém falava com seus objetos, nem esperava deles uma
resposta afetiva. Isso era coisa de criança. Hoje somos cada vez mais parecidos com o
Calvin dos quadrinhos, cujo
melhor amigo era um tigre de
pelúcia que só interagia com
ele e era inerte para o resto
do mundo.
A popularidade dos produtos lúdicos está diretamente
ligada à forma como as pessoas entendem seus papéis
na sociedade. Se crianças
são forçadas a agir como
adultos e adultos querem cada vez mais se divertir como
crianças, há algo de errado.
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