São Paulo, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

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LULI RADFAHRER

Uma trajetória napoleônica


A triste história do Yahoo! mostra que Apple, Google e até Facebook podem se esfarelar no futuro


BOA PARTE dos produtos e serviços que chegam a dominar o mundo têm origem humilde. "Tudo começou com um ratinho", dizia Walt Disney. Ou uma garagem, para os que construíram o que passamos a chamar de informática. Ou um projeto de faculdade, para os que vieram depois. Nem todos têm, como Bill Gates ou Mark Zuckerberg, vontade, oportunidade, pretensão ou vocação para dominar o mundo. Muitos estão mais para uma mistura de Professor Pardal com Forrest Gump. Curiosos, percebem que algo não faz sentido -e resolvem mudá-lo.
No mesmo ambiente universitário de Bill e Mark, depois do primeiro e antes do segundo, dois amigos que estudavam engenharia elétrica seguiram essa trajetória ao criarem um guia para a recém-nascida web. Na época deles, Bill não acreditava na rede. E Mark tinha 10 anos.
David Filo e Jerry Yang não faziam ideia que o seu Yahoo! se tornaria uma das maiores empresas da internet. Até porque não existiam muitos sites, e acessá-los não era fácil. Seus primeiros índices eram quase manuais. Os tempos eram outros no fim do século passado.
Ninguém acreditou quando os dois rapazes levantaram a fortuna de US$ 2 milhões (por mais que hoje esse valor pareça uma ninharia). Com os bolsos cheios, eles arrumaram a casa e fizeram um dos primeiros IPOs do segmento. Foi um sucesso. Lançadas a US$ 33, as ações da nova empresa fecharam o dia US$ 10 mais caras.
Era só o começo de um grande império. Com o capital, começaram as aquisições: o principal repositório de páginas pessoais (Geocities), empresas de conteúdo em vídeo e áudio (Broadcast.com e MusicMatch), serviços de e-commerce (Kelkoo), comunidades (eGroups), agenda on-line (Upcoming.org), compartilhamento de fotos (Flickr) e links (Del.icio.us). Enquanto isso, o valor de cada ação chegava a quase US$ 500. A exuberância irracional não parecia ter fim. A AOL, afinal, tinha acabado de comprar a TimeWarner. O Yahoo! era o Google da época. Mas o Google ainda não tinha sido inventado.
Em março de 2000, a bolha pontocom estourou. Desde então as coisas nunca mais foram as mesmas. Um ano depois, as ações do então fenômeno chegam a valer US$ 8. Mesmo assim, no ano seguinte, ele tenta comprar o Google. E ouve um inacreditável "não".
Desnorteado, o Yahoo! tenta investir no desenvolvimento de novas tecnologias. Sem uma estratégia clara, porém, não consegue desenvolver um produto claramente melhor do que o oponente. Seu faro para aquisições já não é o mesmo, a ponto de deixar passar duas ideias promissoras: um tal de YouTube e um tal de thefacebook. Mesmo no vermelho, ainda esnoba a tentativa de compra pela Microsoft.
Hoje algumas de suas marcas, como o Flickr, são mais populares e queridas que a empresa-mãe. O cenário, pavoroso, é parecido com o de herdeiros quatrocentões falidos, que vivem de glórias passadas enquanto tentam, a qualquer custo, vender ou alugar os terrenos que herdaram.
A triste história do Yahoo! é emblemática para os tempos pragmáticos em que vivemos. Sob certos aspectos, ela é assustadoramente parecida com a da Nokia. Ou com a do Google. Ou Microsoft. Tudo o que é sólido se desmancha no ar, já previa, oportunamente, Karl Marx.

folha@luli.com.br


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