São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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JAPÃO/EUA

Filme de Sofia Coppola em cartaz narra dificuldade de ocidentais em decifrar o Oriente

Tóquio e LA são esquinas do mundo

SILVIO CIOFFI
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO E LA

O título do filme "Lost in Translation", de Sofia Coppola, que recém-chegou aos cinemas brasileiros como "Encontros e Desencontros", tem tradução discutível, mas nele dá para compreender um pouco da sensação de estranhamento, solidão e cumplicidade que os ocidentais têm ao vivenciar a brutalidade da distância voada, o emaranhado de signos estranhos e a monumentalidade ultracontemporânea de Tóquio.
Em esquinas diferentes do mundo, o Japão e os EUA têm em comum tanto um mar de afinidades quanto um mundo de diferenças -e isso transparece na comparação de Los Angeles (codinome LA), na Califórnia, onde moram os protagonistas do filme, e Tóquio, aliás, unidas semanalmente por quatro vôos diretos a partir do Brasil, da Varig, e por vôos que as companhias americanas, como American, Delta e United, fazem entre os dois destinos, com uma escala a mais nos EUA.
Curiosamente, o site da CIA (www.cia.gov), a agência de inteligência dos EUA, afirma que a área do Japão é "ligeiramente menor do que a do Estado da Califórnia". E, se Tóquio tem em Ginza seu bairro chique e ocidentalizado, Los Angeles compra em Beverly Hills, em lojas que se equivalem, falam as mesmas língua e comerciam nas mesmas moedas.

Verso e anverso
Hoje, a soma do comércio bilateral EUA/Japão está na casa dos US$ 172 bilhões (de acordo com estatísticas de 2002) e a presença norte-americana é tão intensa no Japão quanto é significativo o número de nipo-descendentes nos EUA, onde produtos japoneses imperam, dos automóveis aos eletroeletrônicos, passando por artigos da moda e cosméticos.
Mas os mares intensamente navegados entre o arquipélago do Japão e os EUA -notadamente na costa da Califórnia- nem sempre foram símbolo de relacionamento pacífico entre essas potências mundiais.
Embora tenham recebido um substantivo número de imigrantes japoneses no início do século 20, os EUA guerrearam com o Japão. Na Califórnia, a população de origem nipônica foi segregada depois de 1941, quando a aviação militar japonesa bombardeou Pearl Harbor. Por sua vez, os EUA jogaram bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945, enquanto pilotos suicidas japoneses, os camicases, eram treinados para lançar seus aviões sobre navios de guerra norte-americanos.
O resto é história entre esses dois grandes países que chegaram à guerra e forjaram grandes alianças empresariais com igual voracidade. A imigração japonesa para os EUA é contemporânea à vinda de nipônicos ao Brasil.
Mas, como no Brasil a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi feita mais de tinta e de papel jornal do que de batalhas e de sangue, aqui não houve campos de confinamento tão severos para japoneses como nos EUA, onde os nipo-descendentes foram isolados no Jerome Camp, em Manzanar e em Tule Lake.
No Estado da Califórnia, onde os japoneses eram ainda mais numerosos que no Havaí, os "isseis" (primeira geração) e os "sanseis" (terceira), emblematicamente retratados pelas lentes de Dorothea Lange (1895-1965), foram mandados ao interior.
Já cerca de 2.600 "nisseis" (segunda geração, chamados de "American's of Japanese Ancestry/AJA's") foram selecionados e engajados no regimento 442, com sede no Havaí, para combater nas frentes de batalha, seja na Europa, seja no Pacífico.
O tempo apagou as feridas, japoneses viraram americanos, os EUA se orientalizaram quase na mesma proporção que, no pós-Guerra, o Japão se ocidentalizou.
O legado, este, sim, muito parecido com o que os nipo-descendentes deixaram no Brasil, se traduz numa das mais belas páginas da história mundial, em indústrias pujantes, em artes plásticas e até nas artes da culinária, como se vê na receita que ensina a fazer o Califórnia roll.


Silvio Cioffi, editor de Turismo, viajou a convite da Star Alliance e da Varig.


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