São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2010

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ANÁLISE A TURQUIA NOS LIVROS

Escritores turcos tentam desconstruir clichês sobre o país

Orhan Pamuk retrata como a metrópole Istambul foi erguida no imaginário cultural de Oriente e Ocidente


OYA BAYDAR ESCREVEU SOBRE A HISTÓRICA OPRESSÃO POLÍTICA E CULTURAL DAS MINORIAS EM SEU BELO LIVRO "A PALAVRA PERDIDA"


MARCOS FLAMÍNIO PERES
DE SÃO PAULO

Já é um clichê afirmar que a Turquia é um clichê. E o problema é que é mesmo -ou não! Tudo depende de quem -e a partir de que lugar- lança o olhar sobre ela.
De fato, o ponto de vista é a chave de ouro para entender a literatura turca. Seus escritores, assim como o próprio país, também caminham sobre o fio da navalha de heranças religiosas, étnicas, linguísticas e geográficas as mais díspares.
Pegue-se o exemplo de um dos novos nomes. Tuna Kiremitçi, 37, estudou cinema, fala inglês e é um astro pop, fundindo rock e música étnica. Seu "As Preces São Eternas", lançado há pouco no Brasil pela editora Sá, trata do tema que vem rachando o Ocidente: a imigração.
Nesse romance passado na Berlim atual, duas gerações de expatriados de Istambul -uma anciã à beira da morte e uma jovem estudante- confrontam algumas lembranças e hábitos contemporâneos. Falam sobre Segunda Guerra Mundial, preconceito familiar, uso de drogas e sexualidade.
Já Oya Baydar, 70, provém da elite cultural. Professora de sociologia na Universidade de Istambul, exprime-se melhor em francês e alemão do que em inglês.
Presa em 1971 por suas posições de esquerda, acabou exilando-se na Alemanha.
A histórica opressão política e cultural das minorias é tema de seu belo "A Palavra Perdida", que sai no final do ano também pela Sá.
Quando o protagonista do romance se depara com um jovem curdo cuja mulher -grávida- acabara de ser gravemente ferida em um atentado, "ele vê a solidão, o medo, o desespero, o olhar de animal acuado".
Baydar é crítica feroz das políticas assimilacionistas que caracterizaram a história da Turquia moderna desde a fundação da República, em 1923, por Atatürk. Literalmente "pai dos turcos", ele conduziu o país, majoritariamente muçulmano, para o Ocidente.

CENSURA
Hoje a tolerância é maior, mas até dez anos atrás a língua curda era oficialmente proibida. Escritores menos conhecidos e vivendo fora dos grandes centros ainda sofrem com censura.
Mesmo o reverenciado Orhan Pamuk, 58, já sofreu perseguição do governo e chegou a exilar-se por causa disso. Hoje Prêmio Nobel (ganho em 2006), ele é, sem dúvida, o mais sofisticado escritor a retratar Istambul.
O que Charles Dickens fez com Londres no século 19 e Joyce e Proust fizeram no século 20 com, respectivamente, Dublin e Paris, Pamuk faz com a metrópole turca.
Seu estupendo "Istambul" (Companhia das Letras) é um exercício finíssimo de relativismo cultural.
Misto de ensaio e lembrança pessoal, retrata como a cidade foi construída no imaginário cultural do Oriente e do Ocidente por escritores, pintores, arquitetos etc.
Assim como em seu recente "O Museu da Inocência" (que sai no Brasil em 2011, pela mesma editora), Pamuk mostra que clichê é só uma questão de ponto de vista.


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